As rezas vinham diante da sua vida por todo o apelo do seu sofrimento, rezava sem parar para que Deus lhe ouvisse. Não queria mais ver o solo arenoso, nem as rachaduras infinitas que estavam penduradas pelos vãos ocultos da sua dor. A sua esperança havia morrido junto com o resto da vizinhança, a solidão pelo contrário do que eu imaginei não era seu maior dilema. A vida sim, impregnava-se com um aroma diferente, uma sensação amarga de ter obtido uma resposta pelo seu suposto castigo.
As pessoas fugiam com medo da seca, algumas fugiam levadas pelos anjos, outras preferiam morrer no inferno as bordas da linha do equador. Sua pele desmoronava tristeza, sua fraqueza física era evidente e cuidadosa, um disfarce da grande força escondida pelos belos vestidos da sua alma. Sua vida esvaíra em um processo paulatino, pois a fome gritava aos seus ouvidos surdos e a sede era o fio de uma morte anunciada.
Ele sempre viveu à base desse sofrimento, sempre a seca matou e destruiu o doce amor da permanência, o amor da prolongação da vida e de uma futura certeza confirmada com o olhar da sua experiência. Mas dessa vez era diferente a estiagem, ela se prolongava pelos meses à dentro, vinha com uma brutalidade que em todas as suas cinco décadas de vida jamais havia presenciado aquela tamanha destruição.
A árida paisagem não consolava nem mesmo aos mortos, nem mesmo Deus acreditava que pudesse alguém sobreviver naquele inferno, onde até os sonhos eram evaporados pelo calor presente naquela inapropriada realidade. Eram assim os seus dias, eram assim os seus meses, era a vida que corria fugida pra se consolar com a morte.
Deus não lhe ouvia, parecia ter lhe esquecido. Era apenas mais um abandono, uma tristeza absorvida e embrulhada em um papel celofane vermelho. Seus sentidos foram acumulados em uma caixa oca, sem vida, onde a dor de existir era seu maior sofrimento. Talvez de tanto sofrer seu coração tenha se tornado calejado, era fácil pra ele suportar mais uma dor, quando o que só ele via ao seu redor era o nada, onde o que sentia havia caminhado pelo caminho irônico da santificação.
À noite ele podia ficar perto de todos, olhava as estrelas em um balé de luz, mesmo não tendo certeza, queria encontrar seus filhos no luzir da lua, no paralelo de uma realidade diferente da sua, no crepúsculo da verdadeira felicidade.
A Revolta dentro de sua ignorância crescia. Por que ele? Já não bastava ser esquecido por todos? - Sua pergunta pairava no ar e a resposta era evaporada pelos raios do sol.
Uma decisão, seria o último dia que iria fazer suas preces, não iria direcionar sua fé a Deus e sim ao Diabo que combinava mais no inferno em que ele vivia. Feito e dito. Pediu ao Diabo a bendita chuva enquanto seus olhos se fechavam lentamente ao brilho da última estrela.
Quando acordou não via a cor da luz, enxergava uma escuridão formada pelas nuvens de chuva. Em todos seus anos de vida jamais havia visto um céu daqueles, um negro carregado de ódio, o desejo lúgubre realizado pelo seu lamentoso pedido. Levantou da cama e ficou desfrutando o ar gelado que invadia a única janela de sua casa, um pingo acertou-lhe a testa ferindo sua pele castigada pelo sol. Ele saiu de casa e correu feliz, rodeado pela chuva e grato pela nova vida que o Diabo havia lhe concedido.
Viveu assim, grato pela bondade do Diabo, nunca mais passou fome, havia até esquecido o que era a sede. Viveu muitos anos, até que a canção da morte cantou-lhe os ouvidos. Ele morreu tendo uma amarga ilusão, ele não tinha idéia que a chuva não foi coisa do Diabo e sim as lágrimas de um choro divino.
Caramba, fiquei chocada com o final!Muito bom. Ontem mesmo eu terminei de ler um livro sobre as secas e a dificuldade e medo das pessoas que a presenciam... Vidas Secas de Graciliano Ramos =].
ResponderExcluirParabéns pelo Conto, quem sabe um dia eu aprenda a escrever um como eu disse para o David! iuehueiheue...meu sonho.
Beijão!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAcho que isso te pertence!
ResponderExcluirNão sinto vergonha deste corpo...
Ou deste copo que o acompanha
Sinto vergonha de sentir, esta vergonha...
Que a mim me consome e é tamanha
Não sinto vergonha deste cálice de vinho,
Nem dos vícios dessa vida
Sinto vergonha do que me aguarda...
Das páginas ainda não escritas...
Que eu já quero ver rasgadas!
Isso me pertence simmm! Você postou em maio e eu só vi hoje! Saudades das conversas de msn e da pessoa linda que você é...Você escreve demais menino...!
Beijinhos.
Ps:Isso aqui te pertence também!!!!
ResponderExcluir“ O amor grita seu silêncio e nos dá sua música, somos seu alimento, somos o seu calor.Eu pediria uma chance para poetizar-me naqueles lindos versos... queria eu ser sua estrofe, seu início, mas nunca seu final. Nossos olhares que se escoraram nas calçadas me cantam eternamente. Minha alma respira suas palavras, e suas frases complementam o vazio intenso que existe. Como anseio por um beijo nela, como queria que os olhos do meu amor pudessem encontrar os meus, e enxergar neles o último abraço de uma vida...Seus pensamentos serão compatíveis aos meus? Isso não sei, só sei que toda noite do alto, aonde é esse oitavo andar, eu deixo a janela aberta para que meu amor possa sempre sonhar comigo!”
(Guilherme Canedo Borges)
Eu guardo comigoo... ;)
Cara, vc escreve muuuito bem. Fiquei muito impressionado. Quando recebo elogios de desconhecidos, nem sempre levo muito a sério. Mas, por favor, leve a sério e siga em frente na sua liteatura.
ResponderExcluirVocê conseguiu me colocar dentro da história, me fazer ver o cenário e me fazer sentir...
ResponderExcluirSó grandes escritores conseguem isso..
Bjo gui!
gostei muito do conto, uma realidade que mesmo não tão próxima da gente está ali firme intacta e presente e milhares.
ResponderExcluirsó não entendi exatamente o que quis dizer com o titulo do poema do zé da luz,rs.
beijao
E aew camarada!!
ResponderExcluirKra, muito bom isso!!!
Me fez lembrar muito a mesma sensação que tive a conhecer o Martin de A maçã no escuro - da Clarice.
"E esse modo instável de pegar no escuro uma maçã - sem que ela caia."
A maneira de escrever foi muito boa kra, assim como as ideias que existem no meio da ideia principal, como o lance da solidão, dos sonhos que evaporam, enfim, ficou de uma riqueza prodigiosa! Como uma conquista!
Abraço kra!!!
"sempre a seca matou e destruiu o doce amor da permanência..." NOssa, muito bom... as palavras dançam com uma profundidade que fazem doer a carne. Elas arranham a pele, os olhos, o corpo. Escreves como se escrevesses para dentro, a intensidade toda que as cosias têm.
ResponderExcluirO título me lembrou o "Ai se sesse", do Cordel. E o nome do blog sempre me lembra do Caio Fernando.
Muito bom tudo por aqui, Guilherme.
Obrigada pelos comentários.
Abraços pra ti.