Lembro-me daquele dia, é como se pudesse vê-lo diante dos meus olhos. Um flash avulso da minha velhice que vaga pelos delírios dos meus pensamentos.
O sol radiou por todo aquele dia fazendo minha pele chorar uma lágrima salgada. As nuvens pareciam recortes e sua forma no céu me lembrava algodões doces. Olhava para as nuvens e me vinha um típico apetite adocicado de criança desnaturada.
Eu estava perto de casa, brincava com minha bola de meia, o ultimo presente que meu pai me deu antes de falecer. A tristeza ainda reinava pela casa mesmo um ano depois do acorrido. Minha mãe vivia pelos cantos, chorando a morte de papai e muitas vezes se esquecia de mim. Porém não fazia isso por maldade.
Meu irmão mais velho tem sete anos a mais do que eu, na época ele trabalhava em uma loja que eu nunca soube muito bem onde ficava. Naquele momento de minha vida, talvez fosse à pessoa que mais me amasse, que mais se importasse comigo.
O sol ia se pondo e mergulhando sua esfera de fogo na imensidão do mar, as nuvens de algodão tornaram-se pretas, como aviso prévio da noite que vinha. Eu sabia exatamente que hora era aquela. Era à hora do meu irmão chegar.
Quando ele finalmente chegou abracei-lhe forte com amor, com a intenção de não solta-lo mais. Os dias eram solitários, minha casa era fria, todos estavam fortemente abatidos pela pobreza que nos cercava, e meu irmão jogou sobre as suas costas a responsabilidade de cuidar de mim e da minha mãe.
- Orlando, hoje, dia 12 de outubro de 1931 é um dia especial para o Rio de janeiro, é o dia que entrará para a memória de todas as pessoas, um dia de bondade e de paz para nós. – disse meu irmão sufocado pelo meu abraço.
Eu não fazia a mínima idéia do que ele estava falando, mas fiquei curioso e pedi que me levasse nesse local. Por sorte minha, era a sua intenção me fazer parte daquele dia especial e de certa forma proporcionar a história que muitos anos depois eu estou lembrando agora.
Descemos à ladeira da favela juntos, segurava-lhe a mão como se ele fosse meu super-herói favorito, como se fosse o meu pai que já não tinha mais.
A rua estava um alvoroço só, a alegria estava estampada nos rostos das pessoas. Voavam confetes e serpentinas, sobrava felicidade no coração de todos, transbordava a paz e uma conjuntura de sentimentos que na época não sabia como explicar.
Quanto mais andávamos mais pessoas surgiam, parecia um formigueiro humano, as ruas não eram grandes o bastante para acomodar tantas pessoas. Apertei ainda mais a mão do meu irmão e fomos cortando a fila, nos espremendo pelos buracos vazios que forçávamos para tentar conquistar.
Fomos penetrando ágeis e ligeiros como espermatozóides a procura do óvulo da mulher amada, até que... Nossas mãos escaparam, fugindo do elo de uma amizade sem fim. Meus olhos derramavam desespero, minha alma despedaçou e cai em um mundo de tristeza, pois meu irmão havia sido engolido por um mar de gente e eu estava sozinho ao lado de milhares de pessoas.
Não o via mais, sentia-me literalmente perdido, meus ouvidos não ouviam e meus olhos não enxergavam, devido à lástima do momento. A festa não cessava, as pessoas riam, outras rezavam e eu invejando essa felicidade que me cercava.
Sentei-me no meio fio, chorava pelo lamento que minha vida havia se tornado, chorava por papai, por mamãe e pelo meu irmão agora sumido. Estaria eu sozinho pra sempre? Eu estava tomado pela tristeza, à arbitrariedade que eu vivia nos meus dias em casa.
Uma moça se aproximou de mim e me perguntou:
- Por que você está chorando?
- Porque estou sozinho, meu irmão sumiu e não sei para onde ele foi.
A moça que falou comigo naquela noite, era uma moça muito bem apessoada, uma mulher com olhos verdes, com uma bondade que se sentia, como se vazasse por sua alma. Uma mulher iluminada.
Ela me disse, que supunha pra onde meu irmão havia ido, e de fato para onde todas as pessoas queriam ir naquele momento.
Hoje, imagino que aquela moça devia ser muito importante na sociedade da época, pois as pessoas deixavam, abriam vãos pra que ela passasse. E fomos assim seguindo em frente.
Chegamos à frente de um morro muito alto, eram tantos degraus que meus dedos não conseguiam contar. Subimos com a esperança de encontrar alguém, uma longa jornada para cima, estávamos subindo para o céu.
- Mocinho, qual é o seu nome? – me perguntou a moça
- Meu nome é Orlando.
- Você sabe para onde estamos indo?
- Não, eu não sei.
- Vamos ver Jesus. - Respondeu ela.
Eu já tinha ouvido falar desse homem, era pra ele que mamãe rezava. Ela pedia pra ele força pra agüentar os dias difíceis, suplicava que a vida melhorasse, pedia benção e felicidade. Não sabia quem era ele, mas devia ser uma pessoa muito boa.
Fomos assim, de degrau em degrau subindo pela ladeira dos céus até chegar. Jesus estava lá. Todos inclusive eu, admirados pelo tamanho dele. Seus braços abertos acolhendo a todos, era o dia de sua inauguração. Ouvia algumas pessoas falando “Jesus é carioca, Jesus é carioca”. Seu tamanho era surreal pra mim, me sentia muito pequeno ao vão de suas pernas.
A moça despediu-se de mim, porém não me sentia mais só. Ajoelhei-me, como mamãe costumava a fazer, e fiz um pedido a Jesus. Queria que ele ouvisse minha mãe, que levasse os dias difíceis e que a felicidade se instalasse de vez em minha casa.
As horas iam voando, e eu continuei ajoelhado em frente à imensidão daquele homem, sem arredar o pé dali. Passaram-se horas e mais horas, até sentir um abraço quente. Era meu irmão, ele me pegou em seu colo e me levou as pressas embora. Chegamos tarde em casa, estávamos cansados e então dormimos.
No nascer do sol do dia seguinte, acordei para tomar café e ainda retirava as remelas depositadas em minha face, foi quando tive a surpresa de ver minha mamãe sorrindo. Um sorriso repleto de mudanças, um sorriso cheio de esperança. Coisa que ela não fazia desde a morte de papai.
Hoje dia 12 de outubro de 2008, enquanto sou carregado pela escada rolante a caminho do céu, já velho, cansado e enrugado pelo tempo, com oitenta e sete anos de idade, me ajoelho de novo, agradecendo a esse homem gigantesco pela ajuda e pela felicidade que ainda reina por todos os dias de minha vida.
O sol radiou por todo aquele dia fazendo minha pele chorar uma lágrima salgada. As nuvens pareciam recortes e sua forma no céu me lembrava algodões doces. Olhava para as nuvens e me vinha um típico apetite adocicado de criança desnaturada.
Eu estava perto de casa, brincava com minha bola de meia, o ultimo presente que meu pai me deu antes de falecer. A tristeza ainda reinava pela casa mesmo um ano depois do acorrido. Minha mãe vivia pelos cantos, chorando a morte de papai e muitas vezes se esquecia de mim. Porém não fazia isso por maldade.
Meu irmão mais velho tem sete anos a mais do que eu, na época ele trabalhava em uma loja que eu nunca soube muito bem onde ficava. Naquele momento de minha vida, talvez fosse à pessoa que mais me amasse, que mais se importasse comigo.
O sol ia se pondo e mergulhando sua esfera de fogo na imensidão do mar, as nuvens de algodão tornaram-se pretas, como aviso prévio da noite que vinha. Eu sabia exatamente que hora era aquela. Era à hora do meu irmão chegar.
Quando ele finalmente chegou abracei-lhe forte com amor, com a intenção de não solta-lo mais. Os dias eram solitários, minha casa era fria, todos estavam fortemente abatidos pela pobreza que nos cercava, e meu irmão jogou sobre as suas costas a responsabilidade de cuidar de mim e da minha mãe.
- Orlando, hoje, dia 12 de outubro de 1931 é um dia especial para o Rio de janeiro, é o dia que entrará para a memória de todas as pessoas, um dia de bondade e de paz para nós. – disse meu irmão sufocado pelo meu abraço.
Eu não fazia a mínima idéia do que ele estava falando, mas fiquei curioso e pedi que me levasse nesse local. Por sorte minha, era a sua intenção me fazer parte daquele dia especial e de certa forma proporcionar a história que muitos anos depois eu estou lembrando agora.
Descemos à ladeira da favela juntos, segurava-lhe a mão como se ele fosse meu super-herói favorito, como se fosse o meu pai que já não tinha mais.
A rua estava um alvoroço só, a alegria estava estampada nos rostos das pessoas. Voavam confetes e serpentinas, sobrava felicidade no coração de todos, transbordava a paz e uma conjuntura de sentimentos que na época não sabia como explicar.
Quanto mais andávamos mais pessoas surgiam, parecia um formigueiro humano, as ruas não eram grandes o bastante para acomodar tantas pessoas. Apertei ainda mais a mão do meu irmão e fomos cortando a fila, nos espremendo pelos buracos vazios que forçávamos para tentar conquistar.
Fomos penetrando ágeis e ligeiros como espermatozóides a procura do óvulo da mulher amada, até que... Nossas mãos escaparam, fugindo do elo de uma amizade sem fim. Meus olhos derramavam desespero, minha alma despedaçou e cai em um mundo de tristeza, pois meu irmão havia sido engolido por um mar de gente e eu estava sozinho ao lado de milhares de pessoas.
Não o via mais, sentia-me literalmente perdido, meus ouvidos não ouviam e meus olhos não enxergavam, devido à lástima do momento. A festa não cessava, as pessoas riam, outras rezavam e eu invejando essa felicidade que me cercava.
Sentei-me no meio fio, chorava pelo lamento que minha vida havia se tornado, chorava por papai, por mamãe e pelo meu irmão agora sumido. Estaria eu sozinho pra sempre? Eu estava tomado pela tristeza, à arbitrariedade que eu vivia nos meus dias em casa.
Uma moça se aproximou de mim e me perguntou:
- Por que você está chorando?
- Porque estou sozinho, meu irmão sumiu e não sei para onde ele foi.
A moça que falou comigo naquela noite, era uma moça muito bem apessoada, uma mulher com olhos verdes, com uma bondade que se sentia, como se vazasse por sua alma. Uma mulher iluminada.
Ela me disse, que supunha pra onde meu irmão havia ido, e de fato para onde todas as pessoas queriam ir naquele momento.
Hoje, imagino que aquela moça devia ser muito importante na sociedade da época, pois as pessoas deixavam, abriam vãos pra que ela passasse. E fomos assim seguindo em frente.
Chegamos à frente de um morro muito alto, eram tantos degraus que meus dedos não conseguiam contar. Subimos com a esperança de encontrar alguém, uma longa jornada para cima, estávamos subindo para o céu.
- Mocinho, qual é o seu nome? – me perguntou a moça
- Meu nome é Orlando.
- Você sabe para onde estamos indo?
- Não, eu não sei.
- Vamos ver Jesus. - Respondeu ela.
Eu já tinha ouvido falar desse homem, era pra ele que mamãe rezava. Ela pedia pra ele força pra agüentar os dias difíceis, suplicava que a vida melhorasse, pedia benção e felicidade. Não sabia quem era ele, mas devia ser uma pessoa muito boa.
Fomos assim, de degrau em degrau subindo pela ladeira dos céus até chegar. Jesus estava lá. Todos inclusive eu, admirados pelo tamanho dele. Seus braços abertos acolhendo a todos, era o dia de sua inauguração. Ouvia algumas pessoas falando “Jesus é carioca, Jesus é carioca”. Seu tamanho era surreal pra mim, me sentia muito pequeno ao vão de suas pernas.
A moça despediu-se de mim, porém não me sentia mais só. Ajoelhei-me, como mamãe costumava a fazer, e fiz um pedido a Jesus. Queria que ele ouvisse minha mãe, que levasse os dias difíceis e que a felicidade se instalasse de vez em minha casa.
As horas iam voando, e eu continuei ajoelhado em frente à imensidão daquele homem, sem arredar o pé dali. Passaram-se horas e mais horas, até sentir um abraço quente. Era meu irmão, ele me pegou em seu colo e me levou as pressas embora. Chegamos tarde em casa, estávamos cansados e então dormimos.
No nascer do sol do dia seguinte, acordei para tomar café e ainda retirava as remelas depositadas em minha face, foi quando tive a surpresa de ver minha mamãe sorrindo. Um sorriso repleto de mudanças, um sorriso cheio de esperança. Coisa que ela não fazia desde a morte de papai.
Hoje dia 12 de outubro de 2008, enquanto sou carregado pela escada rolante a caminho do céu, já velho, cansado e enrugado pelo tempo, com oitenta e sete anos de idade, me ajoelho de novo, agradecendo a esse homem gigantesco pela ajuda e pela felicidade que ainda reina por todos os dias de minha vida.
Grande Guilherme!!!
ResponderExcluir"O sol ia se pondo e mergulhando sua esfera de fogo na imensidão do mar, as nuvens de algodão tornaram-se pretas, como aviso prévio da noite que vinha. Eu sabia exatamente que hora era aquela. Era à hora do meu irmão chegar."
Acho que esse trecho define toda a história, o amor pelo irmão e a precisão de sua presença, desse amparo fraternal.
Kra, muito bom isso!! Gosto de como dá sentimento para as relações entre os personagens, ora de um betume enegrecido trágico, ora de um colorido de ternura!
Maravilha!!
Abraço kra!