quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Conto – A segunda mulher de um homem esquecido

As paredes continuavam encardidas de nós e o chão preso aos cadarços que criamos. Pode-se achar estranho isso, mas realmente parecia que a nossa casa arrebentaria e abriria um abismo entre nós. Eu estava de fato desatando esses “nós” e voava tão alto sobre esse abismo que não me importava em cair. O erro começa sempre depois de suscetíveis acertos e tem hora, convenhamos que fazer as coisas certas é um pé no saco, o meu foi chutado algumas centenas de vezes, só pra esclarecer. Eu tinha dezessete motivos para amá-la e não sobrou um sequer pra fazê-la pensar em como seria bom uma possível volta, sabe como essas coisas são, o tempo vai passando, passando e a nossa cabeça vai ficando cada vez mais orgulhosa.
Tentei inúmeras vezes convencê-la de que foi apenas um deslize, apenas um, mas ela é difícil de convencer do contrário, é irredutível quando se toma uma decisão, principalmente, pra sua vida ou pra sua morte. Supliquei tantas vezes que me perdoasse, surrei tanto minha cabeça contra a parede para fazer que meus miolos se reagrupassem, como uma forma de autopunição, mas nem o sangue, nem a dor de se rachar aquilo que me comanda foi o suficiente para fazê-la reabrir o seu peito. Tudo o que mais queria era o seu perdão, mas era como se tivéssemos caído em uma gravidade horizontal oposta. Sem ela parece que sou metade em tudo e no que se diz respeito às estrelas a minha parece que perdeu a luz e inebriou-se de vazio. Não sinto vergonha de dizer que toda a minha luz provinha dela, mas sinto orgulho de dizer que pequei em não dar o devido valor na hora certa.
Parecia um dia tão fútil quanto todos os outros na minha vida, os relógios continuavam batendo seus ponteiros sobre a minha cabeça, enquanto lá fora o mundo atravessava seu corriqueiro caos de pernas e carros. Nada que eu não estivesse prontamente acostumado. Quando mais acho que estou certo sobre algo, mais desesperadamente preciso procurar algo para me amordaçar. Acho que a rotina estava me matando paulatinamente, não estava tão feliz como antigamente, estava tão triste como uma nuvem de chuva em época de estiagem. Eu queria quebrar esses conceitos, esses pudores, queria viver algo novo sem me esquecer de quem de fato eu amava. Suplicava por debaixo dos panos um caso, uma amante, uma coisa que me trouxesse de volta pra casa, para a minha mulher. Era como se Deus tivesse me ouvido e prontamente colocado sua melhor moldura, sua melhor modelagem, em minhas mãos para eu poder brincar e me acostumar com o distante.
Sua inteligência, sua astúcia e sua beleza eram coisas que não podiam ser prontamente entendidas, deviam ser devoradas e engolidas a seco. Foi, de fato, o que fiz. Alguma coisa nela, alguma magnitude, alguma coisa que eu não era capaz de resistir, parecia querer me puxar para o fundo daquele seu vestido. Seu cheiro me hipnotizava e seu nome me lembrava nome de pedra preciosa... Não demorou muito para que eu provasse das suas garras, que me deleitasse com elas rasgando minha pele, foi como se sua alma tivesse impregnado na minha.  A suntuosidade das suas curvas, o deslize macio da sua pele e a quentura do seu corpo marcou-me muito mais do que uma simples foda. Eu estava amando pela segunda vez a minha própria mulher, amando uma que ela não orgulhava nenhum pouco em ser. 

9 comentários:

  1. "Nooossa!". Foi o que soltei quando terminei de ler mais um de seus textos.
    é difícil entender de onde vem tanta inspiração, mas há quem diga que isso é treino. Não sei. Com treino a gente escreve bem, claro. Mas sem inspiração as palavras não produzem o mesmo resultado.

    Admiro cada frase sua.

    Grande beijo, Guilherme.

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  2. "Quando mais acho que estou certo sobre algo, mais desesperadamente preciso procurar algo para me amordaçar."
    Identifiquei-me muito intimamente. Me li.
    Tornei-me um seguidor. Impossível não o fazer com tamanha sintonia!
    Abraço!

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  3. Ardis do coração, da mente.
    certas mulheres realmente nos marcam, estranho é que geralmente são as (in)certas.

    abraços

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  4. Texto incrível! Uma dor que suplica, uma sinceridade que comove, muito muito bom.

    E obrigada por passar no blondor--mental :~)

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  5. Guilherme,
    Prazer receber sua visita e espero que o contato continue!

    Percebi uma coisa, viu como nós e o mundo estamos cada vez mais misturados? Será a internet que faz as coisas serem cada vez mais uma unidade? Percebi isso quando observei a mistura dos eu's e do ambiente ao seu redor se tornando parte do eu, no início do texto.

    Outro ponto... sobre a dor e o perdão. Sabe, o mais difícil não é nem a pessoa nos perdoar, somos nós mesmos nos perdoarmos, precisamos fazer isso para que a pessoa também consiga. Sei bem o que te passa. Exigir ou necessitar do perdão alheio é cair num abismo sem volta. Ela precisa perdoar a si mesma também, olhar a pessoa como pessoa. E isso demora, mágoa é difícil de se reciclar: mágoa é preta e viscosa como petróleo. Corrói o nosso corpo e acaba com nosso ambiente, embora pensemos que dê lucro.

    Engraçado... da metade para o final, é a segunda vez dentro de 24h que eu me lembro de um comentário do filme Closer, onde se é dito que aquela mulher adorava uma transa culpada.

    Difícil dissertar sobre qualquer detalhe, talvez até tenha sido vago, ou distante. Mas foram impressões. Talvez tenha sido só eu-lírico.

    Um abraço :)

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  6. Gui, ótimo texto como sempre :D

    Lembrei de um outro texto lendo o seu, em que ele fala sobre trair sua esposa com ela mesma pois a cada dia ela é uma nova pessoa. Infelizmente ainda não encontrei, mas se achar te passo o link ;)

    Bjos!

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  7. Eu não lembro direito a letra, mas existe uma letra do Chico que diz: ´´umas vezes fui feliz, noutras vezes fui mulher...`` acho que é isso, mas o que vale é a intenção. Mesmo as vezes não querendo, temos que nos transformar em outros, as vezes fazemos talvez para nos sentirmos diferentes e outras não somos nada e ainda ficamos frustrados quando não somos reconhecidos. Mas o que importa é que precisamos ser.
    abraços.

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  8. Mais uma vez suas palavras são certeiras e atingem profundamente o íntimo. Transmitem uma sinceridade que transporta e comove.

    Encontros assim são tão especiais, mas acho que justamente por isso movem uma carga de sentimento difícil de lidar. Mesmo assim fico me perguntando se é possível que alguém não ouça tanta poesia. Então penso que às vezes as suplicas não são tão claras e diretas quanto se imagina e ficam mais na alma e nos versos, mas para os amantes da literatura é ótimo porque rendem textos tão belos como este!

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  9. Adorei esse post, Gui.

    É forte, intenso!

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