domingo, 10 de outubro de 2010

Cores de Almodóvar

Memórias de um homem esquecido

Sobre a mesa tudo o que sobrou foi apenas uma flor artificial e resquícios de pó branco. Cobertores e travesseiros espalhados completam minhas nuvens pretas. Latas de cerveja, sobras de comida, formigas lavando seus pés no açúcar, e um esquadrão de "Gregórios" saindo pelo ralo do banheiro saboreiam a luz entrante do basculante. Eu levanto, cansado de não fazer nada, sem camisa, apenas trajando uma calça xadrez vermelha e preta e me sento no sofá, acendo um cigarro e vejo a mulher sem nome de ontem vestindo-se apressadamente diante dos meus olhos saindo porta a fora. Pra ela faço uma cara de deboche e tento imaginar o que fiz na noite de ontem. Minha barriga ronca, pelo jeito ontem não comi nada a não ser... Enfim, isso só alimenta meu âmago. Na geladeira meia dúzia de frutas podres e um leite mais azedo que limão verde. Evidentemente estava numa ressaca daquelas e esse cheiro de leite azedo quase me fez vomitar. Os dias parecem ter perdido suas cores, nuvens negras estaladas num céu de mercúrio e um tanto de esquizofrenia instalada no ar. Meus pés pareciam mortos em meio a cacos de vidros e meus ouvidos poluídos pelas notas algébricas de um dia tão triste quanto chuvoso.  Às vezes tento encontrar razões pra justificar quais os motivos que me levam a ser assim tão leviano com tudo.

3 comentários:

  1. Bem, não sei se isso é autobiográfico, mas se for, sem comentários.

    Deixando Rimbaud de lado, rsrs, é estranho às vezes perceber que não se percebe nada e que tudo em volta não passa de visões oriundas de um deus viciado em heroína. Tão bela seria a vida se nela não houvessem as bençãos de um vômito ou a extrema unção de uma garrafa vazia?

    Esse post seu tem um ar de crítica, talvez autocrítica, mas não é isso que chama a atenção e sim a forma como se expõe isso.

    ps.: sobre ter me visto por aqui, tenho a mesma impressão com relação a você. Por acaso conhece o Garage?

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  2. E sempre se paga caro por prazeres baratos.

    As suas histórias sempre conseguem me transportar para um cenário tão bem montado, que consigo me imaginar como espectadora de suas narrativas.

    Adoro sua escrita...


    Beijão Guilherme.

    Sempre uma ótima surpresa passar por aqui

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  3. Buckovisky, henri miller, a menina passando apressada sem ter ideia de como foi e se foi, todo esse talvez sem lembranças , tudo nos salta aos olhos, quando o vazio nos penetra em nossas vidas cruas.
    Quando li que se sentou no sofá sem ter ideia de nada ,vi-me tambem sentado ao lado, e o cheiro do leite tambem me fez querer vomitar, é melhor assim quando botamos o azedo pra fora, porque aqui fora quem manda somos nós mesmo que sejamos crus, e que as ideias nos faltem...
    muito bom o micro-conto

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