sexta-feira, 29 de maio de 2009

Conto - A Carta

Rio de Janeiro, 11 de Maio de 1957

Caro Gabriel,

Como você sabe sou um renomado advogado. Muitos alegam que eu sou um gênio, outros apenas me acham um bobo convencido. O que eu sou pra você?
Sei que você é um homem com muitos deveres e obrigações, mas eu me senti na obrigação de enviar-lhe essa carta. Eu gostaria de lhe dizer que já tem tempo que eu sei que você existe.
Eu sou um homem feliz, sou casado com uma mulher linda. Seu olhar é castanho amendoado de uma primavera sem fim, sua boca tem o gosto da maça que culminaria na expulsão de Adão do paraíso. Seus seios certos de desejo e libido, uma perdição concreta feita de doçura e fulgor. A receita certa pro meu corpo, o recheio incoerente pro meu espírito.
Mas acho que o senhor já sabe disso, não é?
- Sim eu sei, sua mulher é uma loucura, ela me proporciona prazeres jamais imaginados por um homem, ela fede a sexo. Seus seios como você mesmo disse é uma perdição concreta, sempre quando você sai, eu me aproximo de sua casa, entro pela porta da frente e transo com sua mulher até não agüentarmos mais. Acho até que estou me apaixonando por ela.
Eu a conheci na faculdade, foi amor à primeira vista. Seu cabelo voava com o vento, um loiro cintilante, um luzir magistral. Ela encantou meu coração com o simples assobiar dos seus passos, com seu singelo sorriso, com sua doçura fora de sério. Mal sabia eu que em seis anos de casado descobriria que ela não passa de um doce deletério.
- Verdade, sua mulher não presta ela é uma piranha. Ela tem orgasmos múltiplos comigo, ela grita meu nome enquanto rolamos na sua cama. Ela agora é minha mulher.
Eu escondi esse segredo de todos, eu queria lhe pegar no flagra. Eu chegava do trabalho mais cedo, em outras vezes me escondia no quintal, porém eu nunca lhe vi. Descobri você há uns dois meses atrás, você usava meu chinelo, comia as minhas comidas e deixava marcas na minha mulher. Eu levei esses dois meses te estudando, pois tinha certeza que lhe pegaria. Porém isso não aconteceu.
- Eu sou um profissional, sou amante, tenho segredos que ninguém jamais vai descobrir. Você é um tolo se achou que conseguiria me pegar, isso de fato nunca vai acontecer.
Desculpe minha letra, perdoe-me por meus garranchos, pois estou nervoso e completamente embriagado.
Hoje eu cometi um grande erro, tive uma grande discussão com a minha mulher. Eu explodi, falei que sabia de você. A chamei de piranha e de outros nomes baixos. Ela me disse que me amava e que não existia nenhum outro homem na vida dela a não ser eu. MENTIRA. Eu a espanquei, afirmei a ela que vocês transavam enquanto eu ia trabalhar. Sabe o que ela me disse?
- Meu amor, você está desempregado há dois meses. Dá pra acreditar?
- Verdade não dá mesmo...
Eu a forcei a dizer o seu nome, batia em seu rosto com muita rispidez, chutava seu ventre com ódio incontrolável. Eu estava possuído.
- Me diga o nome do desgraçado?
- Meu amor, eu só amo você – me dizia ela.
Acertei-lhe outro soco. E ela me disse uivando de dor que o nome de seu amor é... Gabriel.
Eu não suportei de tanta ira. Sai correndo pela casa e me encaminhei até o “nosso” quarto. Peguei um revólver na escrivaninha, segurei-a pelo braço e acertei-lhe um tiro na cabeça, um tiro a queima roupa, um tiro fatal.
- Eu não acredito que você fez isso? Seu assassino!
Agora eu tenho certeza que você nunca mais encostará seu dedo imundo nela. NUNCA MAIS.
- Você é um idiota, um idiota.
Amanhã Gabriel quando você chegar, você a encontrará toda ensangüentada em cima da “nossa” cama, uma mulher condenada pelos seus pecados. Quero ver você ama-la novamente?
- Eu a amarei pra sempre...
Eu deixei essa carta justamente em cima de seu corpo. Espero que você a encontre, pois quando você chegar e a encontrar, quero que descubra lendo essa carta que você é o culpado por duas mortes essa noite.

Um grande abraço

Assinado: Gabriel


Pow.

2 comentários:

  1. E aew kra!

    "Eu sou um homem feliz, sou casado com uma mulher linda. Seu olhar é castanho amendoado de uma primavera sem fim, sua boca tem o gosto da maça que culminaria na expulsão de Adão do paraíso. Seus seios certos de desejo e libido, uma perdição concreta feita de doçura e fulgor. A receita certa pro meu corpo, o recheio incoerente pro meu espírito."

    Essa parte foi catártica!Prefeito!

    Há tantas pessoas do lado de fora quanto do lado de dentro e todas elas se parecem muito.
    Somos um e mais um mundo de outros eus.
    Seres profundos.

    Abraço grande kra!

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  2. Grande conto. O diálogo inesperado foi surpreendente! Besos, Fan*

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