domingo, 27 de junho de 2010

Gosto de Guarda-chuva

As paredes vão diminuindo enquanto o lodo parece ser a única coisa preocupada comigo. Reconfortante é se esmagar pelas estradas móveis da sua própria percepção de desespero, e se escorar nelas, e ralar sua pele devido à confusão, à agitação, ao pensamento de incapacidade remota. Seria eu mais um inconstante? Acho que a mente me condena, extrai de mim minhas capacidades produtoras, meu alterego de nada, de uma vazia superioridade. Nada passa absolutamente, algo sempre fermenta, se diz alcoólico, denomina-se expansivo e na verdade retrai-se nas horas de desespero, tem medo daquilo que congestiona artérias, que povoa com algodão as partes que estão faltando. Enquanto isso, acende-se cigarros um após outro esperando não ser visto, não ser flagrado, pois se for encontrado será criticado pela inércia, pela má vontade ou simplesmente por ser assim mesmo: "Relaxado". O vento toca meu rosto e assim sinto a sensação da liberdade, meus pêlos tornam-se quimeras e a cada mistério descubro outras coisas para desvendar, e eu sempre tive o sonho de desvendar o horizonte, porém ele é tão distante, tão corrompido de falsas possibilidades que o chão parece-me mais seguro para se machucar. Queria apenas sentir saudades, porém sempre quero algo mais e mais. Acaba que nada disso posso ter, pois a saudade me condenou em outras estações e sobre o "algo a mais" nunca soube qual era seu verdadeiro significado, talvez não devesse me preocupar com suas soletrações, devesse escreve-lo de trás pra frente, escreve-lo errado, pois assim que me sinto na maioria das vezes.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Macelas amarelas

Meu dia se faz diante de uma janela quase sempre empoeirada. Olho o mundo de fora sabendo que estou do lado de fora também e isso me remete no pensamento de quantas pessoas existem nas ruas, umas seguindo o mesmo caminho que eu, e as outras procurando suas próprias nuvens: “Quantas linhas se cruzando em bases de concreto”. Eu vejo o Cristo da mesma forma que vejo aquela pobre alma de rua vagando, enrolada a um cobertor, à procura de algo que sacie seu vício. Depois de algum tempo você se torna absolutamente cego pra esse tipo de coisa, talvez seja a normalidade não tão natural assim do nosso cotidiano. O dia estava feio de manhã cedo, tempo chuvoso, mas nada mais acentuado quanto o cinza dentro de mim; acho que quando os raios de sol tocam a pele essas coisas vão embora, evaporam-se em forma de suor. Definitivamente não queria mais olhar o Cristo.
Às vezes, penso nela e nas suas macelas amarelas, e isso faz o tempo passar mais rápido, faz-me esquecer do círculo de gotas de veneno que caem das minhas nuvens particulares, e acaba que não vejo as horas correrem. Pensamentos também tem pernas e os meus correm atrás dela, mas ela parece querer fugir... talvez sua mente tenha afundado, naufragado, tenha se tornado tão surda quanto uma pedra debaixo d'água. Eu grito seu nome e ela não me ouve mais. Seu pensamento se ligou a algo mais próximo, numa conexão mais perto do seu peito. E isso faz chover, o dia não é tão belo assim, sinto a cada dia um pedacinho de mim saindo de dentro dela; sou farelo e meus pedaços não podem ser encaixados, pois eles se desfazem com a água. Queria eu ver por onde seus pés passam, por quais estradas de terra se encontram suas pegadas, pois o meu desejo é deixar o meu desenho nessa terra molhada. 

quarta-feira, 16 de junho de 2010

As pessoas não podem ser assim

Às vezes tenho vontade de abandonar tudo, tenho mesmo. Não me importa o quanto valioso seja ou o quanto hei de me arrepender, abandono e pronto!  Acho que dessa vez enfiei-me num lugar bem diferente, bem canibal; acho até que estou num mato cheio de onças de jaleco, lendo seus livros prediletos: Lehninger... Não, pessoas não podem ser assim. Eu fico olhando as onças que do nada falam alemão: “Den Mund halten”, eu penso. Nossa, pessoas não podem ser assim. Eu sou doente? Acho que sim, mas tem gente mais louca do que eu nesse mundo. E como tem...! Eu tenho, mas não quero ler o Lehninger.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Perpétua

Tem pólvora nas cortinas e sêmen escorrendo pelas paredes. O corpo entrega-se, perpetua-se na correnteza de lábios, é o instinto, o canibalismo excêntrico, a profundeza de um poço com lodo em suas bordas... Eu gosto de escorregar, de patinar sobre o gelo fino, de rolar sobre aquelas folhas caídas que um dia você irá me mostrar. O sabor da língua desconhecida ao som das cervejas e o cruzar dos braços sobre o pescoço é bom, porém falso. E isso nos magoa não é? São corpos que tento te encontrar, são bocas que tento encontrar o seu encaixe perfeito; são nossos fracassos constantes, e isso é demais pra nós dois, serve apenas para nos afirmar cada vez mais e mais. E pra que? Quero a sua particularidade, como creio que você também queira a minha... Sua imagem moldada com esquadros em minha cabeça é o que anda me satisfazendo, acariciando o que um dia foi tão arredio e machista. A sensação do dia do toque, do estalar dos seus lábios se faz intenso em mim, o assobio das suas palavras reais, o seu canto sulista, suas reverberações e seu espirro freqüente. Quero isso pra mim! O vazio não nos cabe, não fala a nossa língua, queremos mesmo é ir à procura do encontro, atravessar estados, entender sotaques e poesias pingadas no nosso próprio chão... E nesse chão é onde eu quero me despir, ficar variavelmente nu de certos conceitos e práticas. Entrega. Talvez a palavra seja essa, seja límpida como a cachoeira que percorre por entre as quimeras das suas imperfeições, é onde quero fazer minhas acrobacias, dar meu melhor mergulho e ir tão fundo em ti que meu afogamento contextualiza-nos. E isso não é acidental, é previsto, é revisando, não é homicídio, e sim o suicídio construído com pedras talhadas, com cristais romboédricos; no âmago, no cerne das conjunturas da sua visão enviesada por uma janela qualquer... E isso perpetua em nós... O encontro.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Alvará de soltura

Dentro do ar existem vozes, voando, vagando notas desconhecidas. Talvez nem sejam tão desconhecidas assim, apenas esquecidas tamanha à vontade por uma única. Todas as outras soam baixas e imperceptíveis pra mim, e isso não é auto-suficiência, pois pra isso eu deveria ser sozinho e isso não sou. Tenho o zumbido que caminha ao meu lado configurando suas canções antropofágicas, e isso me faz esquecer do mundo e o mundo não é nada se não existe tais corpos-cancionais... Essas são as cordas que quero pestanejar, fazer o acorde saudoso da gaita e dos abraços no luzir da lua cheia. E essa canção me salva da selvageria, me salva da correria de uma cidade tão grande como meu umbigo. Escutar tal voz me faz querer dar passos um após outro, e assim me fazer correr tão decidido ao seu encontro.