sábado, 10 de setembro de 2011

Conto - O primeiro dia

     Chovia bastante, o que estava sendo comum naquela semana, e da janela meu maior divertimento era olhar o percurso da água na calha do telhado da garagem. Normalmente, nessas horas de reflexão, eu acenderia um cigarro e me libertaria de alguns pensamentos contundentes, porém tinha tanta preguiça de molhar meus pés e sentir o frio daquele vento que decidi que pra mim o melhor mesmo era estar na nostalgia. Eu, facilmente, poderia estar vendo um bom filme ou lendo um bom livro, só que não há nada de bom pra se ver ou ler nessa casa de praia. Tudo sempre foi um engano. 

     Meu maior sonho era ser um escritor, só que eu sempre fui preguiçoso demais pra terminar qualquer coisa. Eu até tinha começado um livro, por um tempo aquilo me fazia perder horas, coisa que ocupava meu tempo e minha cabeça, mas depois tudo se tornou um grande martírio, uma verdadeira encheção de lingüiça. Alice disse que o livro estava ficando ótimo, só que eu não tinha certeza de quase nada na minha vida, tanto não tinha que nem sabia o que Alice era minha... 

     A chuva já não me entretinha mais. Decidi então, por muita vontade de fazer alguma coisa, que cortaria a barba. Fui ao banheiro, fiquei de frente ao espelho, dei uma bela visualizada no meu rosto e decidi que não... Não cortaria a barba. Ela estava do jeito que eu gosto e certamente Alice reprovaria meu ato. Sabe o que ela diria pra mim? - “Marcelo, desespero não combina nenhum pouco com você”. E não existe nada que eu odeie mais do que dar razão a ela. Chuva, chuva, chuva, chuva, chuva. Sozinho, sozinho, sozinho. No meu discurso profético do anoitecer, certamente, teria muito dessas duas palavras. Já está escurecendo e isso é sempre bom pra se sentir mais próximo do amanhã, pois à noite, eu consigo pensar um pouco melhor, pode parecer mentira, mas com o barulho da chuva e quando não se vê as estrelas no céu eu fico bastante inspirado a escrever. Diferente de alguns poetas eu não preciso da lua pra nada. 

     Mesmo inspirado, eu tinha preguiça, muita preguiça mesmo. Outra coisa que odeio, tirando dar razão para Alice, é ter sono quando estou com vontade de escrever. Cara, por que isso sempre acontece comigo? – “Não sei, não sei, mesmo”. No relógio da parede marcavam meia-noite e fiquei um pouco realizado em ter lutado contra toda a profundeza do que é a preguiça e o sono em mim. Fui ao banheiro, escovei meus dentes em cinco minutos cravados, como costumo sempre a fazer, levantei a tampa do vaso sanitário, me curvei e joguei um pouco a cabeça pra trás, dei um gemidinho básico, dei uma sacudidela no meu pau, limpei com papel higiênico o canto do vaso que tinha mijado, puxei a descarga, apaguei as luzes, acendi as luzes, pois havia me esquecido de lavar as mãos, sequei as mãos na toalha de rosto e fui tentar dormir. 

     Exatamente, caro leitor, eu fui tentar dormir. Ao mesmo tempo em que chuva e noite me inspiram elas me tiram o sono, porém lutei como um guerreiro. Meu primeiro ato foi ficar quieto, o segundo ato foi relaxar, o terceiro ato foi tampar meus ouvidos com o travesseiro, o quarto ato foi pedir a Deus pra me fazer dormir, o quinto ato foi mandar tudo se fuder, o quinto ato achei melhor nem escrever aqui. Fui à cozinha. Abri a geladeira e fiz um sanduíche de presunto e queijo, preparei um suquinho de laranja e me sentei à mesa, puto, muito puto mesmo, com essa situação de seu corpo implorar pra dormir e sua cabeça não parar de pensar um monte de sandices. Eu não gosto de criar estímulos para dormir, mas porra, eu já havia me realizado naquele dia e não havia mais nada pra fazer, já havia até começado a escrever alguma coisa. Decidi procurar e só depois de muito tempo que consegui achar o Rivotril. Tomei um comprimido daqueles e mergulhei num profundo e sonolento marasmo, vagarosamente fui me deitando, me cobrindo, me aconchegando, ralando a cama e finalmente apagando.

Um comentário: