domingo, 18 de setembro de 2011

Conto - O segundo dia

Peguei a calça de moletom no chão, abri o armário, peguei um casaco de lã e constatei que hoje fazia bem mais frio do que ontem. Meus dentes se batiam de tamanho frio, há muito tempo eu não via um frio daqueles, fui abrir a janela do quarto para descobrir que não é pra abrir essa ou qualquer outra janela nunca mais. Peguei o cobertor, joguei-o sobre meus ombros e fui à cozinha preparar um saboroso café. O pão eu coloquei numa chapa para esquentar e sobre ele passei uma manteiga, essa, que derretia com tamanha perspicácia que não me contive em dar uma mordidela. Levei tudo para o quarto, voltei a me cobrir, liguei a televisão e me senti como um conde solitário. Tudo parecia controverso, nenhum pouco satisfatório, porém estava me sentindo disposto e com uma vontade de escrever algumas coisas... Peguei a máquina de escrever, colocando-a sobre o meu colo, e continuei dando valor as fumaças que me rondavam naquele momento. Escrevi umas cinco páginas que até as considerei boas, mas completamente monótonas, estava me sentindo tão confuso quanto Jean Genet no início de o Diário de um Ladrão. 

Consegui levantar da cama, de acordo com o relógio, umas duas e quinze da tarde. Tirei as remelas dos olhos, tirei uma meleca do nariz e cocei meu ouvido esquerdo com o mesmo dedo que fiz todo o resto. Por isso é bom estar sozinho numa casa, sei lá, você se sente mais homem nessas horas, se sente mais livre de alguns conceitos. Fui ao banheiro dei uma bela de uma cagada e li metade do jornal que trouxe da viagem de ontem. Lavei minhas mãos e fui diretamente à cozinha preparar uma macarronada sem molho. E como estava ruim aquilo, puta que pariu, eu não sei por que insisto em coisas que não tenho talento. Uma coisa que devo confessar agora, eu sou muito chato com a minha teimosia. 

Eu estava precisando muito de cigarros e de bebidas quentes. Arrumei-me rapidamente, procurei um casaco bem grosso, coloquei uma touca que tampasse bem os meus ouvidos e procurei um guarda-chuva que fosse grande o bastante pra tampar três de mim. Ontem, enquanto passava de ônibus, vi que havia um mercadinho que julgava não ser muito longe daqui. Errado. O mercadinho era uns vinte minutos afastados da casa de praia, falando assim, nem parece muito longe, mas porra, vinte minutos de baixo de chuva, com toda a água que caía, é se considerar um pouco anfíbio. Enfim, cheguei ao mercado, encharcado, e fui logo à cessão de bebidas. Fui pegando, vinhos, uísques conhaques e afins. Fui ao caixa e perguntei à única pessoa que trabalhava naquele estabelecimento: - “Onde encontro os cigarros”? Ela parecia um pouco entediada e me respondeu: - “Vire-se”. Eu me virei e havia um grande anúncio de cigarros. Peguei três maços de Marlboro Light e perguntei quanto sairia tudo o que havia comprado: - “Tudo sai por quarenta e sete reais” - me respondendo ela friamente. Dei o dinheiro e saí porta a fora. 

Chegando a casa fui logo tirando todas as roupas molhadas e me direcionei ao banheiro. Fiquei nu, abri o registro do banheiro, e esperei que a água esquentasse o suficiente para que o “box” se enchesse de um vapor fervente. Nessa espera acendi cigarros, um atrás do outro, e fiquei pensando em branco. Entrei em meio à cortina de fumaça e senti aquela água tateando meu corpo, ficando horas e horas me deliciando, perdendo ou ganhando tempo, tanto faz, só sei que aquilo era distante demais do que eu havia sido induzido a fazer. Tomei o banho mais longo da minha vida, apressei-me para colocar roupas secas e bem quentes e abri uma garrafa de vinho. Liguei a televisão e fiquei assistindo a novela das dezoito horas. Acabei, pelo marasmo, cochilando. Acordei passando um pouco mal, uma dor no estômago que me doía intermitentemente, era uma dor tão forte, tão contundente que pensei várias vezes em sair atrás de um posto de saúde. Porém, chovia muito e o frio, que nos atravessa a carne, era algo indescritível até para um europeu. Por maioria de votos decidi ficar sofrendo no meu silêncio. 

Passei horas e horas implorando que aquela maldita dor passasse... Eu já fui a centenas de médicos, fiz milhares de exames e ninguém nunca me disse o que realmente eu tinha e de onde surgia todo aquele berro. Confesso, eu até comecei um tratamento, certa vez, era uma tratamento homeopático, muito demorado; porém, sou muito impaciente com resultados prolongados e acabava que em vez de tomar um comprimido, eu engolia de três a quatro diariamente. Só existia um método que funcionava contra isso... E eu o fiz.

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