domingo, 26 de dezembro de 2010

Conto - Em algum lugar entre a vigília e o sono

     O meu bem estava apreensivo, levava-me às pressas, puxava-me pelos braços desejando a minha morte em Si maior. Nas ruas descalças não havia ninguém, morreríamos no silêncio, no segredo da nossa efêmera consumação. A nossa poesia morta era como o esterco que me floria e todas as nossas imperfeições queriam dançar, dançar grudadas, como se fossemos um único ser de corpo enjaulado. A chuva havia terminado; as guimbas de cigarros ainda eram carregadas ao bueiro mais próximo e meus pés irrequietos afogavam-se na passagem da água. E eu só pensava em beijá-la por inteiro. O mundo ao meu lado parecia girar mais rápido devido aos movimentos dos nossos passos apertados, tudo nos pertencia, e o mais importante de tudo era que dentro da imensidão a nossa volta o que mais desejávamos era o deleite de um abraço. A luz fraca do poste perdia sua grandeza diante do gigante Málaga, que piscava seus olhos no charme da noite que nos acolhia. Sua porta estava escorada no silêncio, no segredo, de casais que procuravam o refúgio daquele lugar para se amar as escondidas.
     Queríamos um quarto para pernoitar, e dormiríamos ali, como imaginávamos antes, abraçados, amando-nos de forma fictícia; contudo saciaríamos o nosso desejo ao recebimento da chave do quarto 203 pela simpática funcionária que nos atendera. Subimos as escadas que se engalfinhavam como caracóis e tudo o que nos fazia algum sentido era o silêncio que emanávamos. Tudo isso poderia ser explicado apenas por uma palavra, um adjetivo, que resumiria toda a apreensão de descobrirmos desnudos por completo. Medo. Medo do que seria a força que nos moveria para frente, a força que nos deitaria um sobre o outro e nos penetraria na colisão de dois corpos, dois ímãs, que nem o trágico ousaria separar.
    Os corredores vestidos de sexo e a tentação do vermelho da luz bruxuleante nos atingiam de tal forma que era impossível a nós descrever qualquer plano, qualquer pensamento antes premeditado. Tudo se apagara ao brilho da última porta, e a partir dali tudo seria dirigido, guiado pela libido natural, que naquele momento nos perfurava como uma bala perdida. Entramos devagar, olhamos com admiração onde estávamos e gostamos do que o nosso dinheiro poderia nos conceber. A cama lisa como um mar calmo era definitivamente onde queria morrer afogado.

5 comentários:

  1. "A nossa poesia morta era como o esterco que me floria e todas as nossas imperfeições queriam dançar..."

    este trecho e o que segue é marcante, teu estilo urbano é tão forte quanto o sentimento que ele evoca! abraços.

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  2. Ao som de the end dos doors leio este conto que me entranhou a veia, gui post sem comentário, nada que eu disser não sera capaz de descrever o que sinto agora...
    obrigado pela palavras que me arrebatam ao léu.

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  3. Muito bom te ler!

    Vim apreciar e desejar um FELIZ ANO NOVO!

    ABRAÇO!

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  4. Cada frase tem a sua beleza própria, e o conto inteiro passa uma sensação de paixão maravilhosa. Seguindo, parabéns!

    E muito obrigada pelo comentário no meu blog :)

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  5. tem tantas cores sensações seduções. tem a força da palavra viva. da paixão.

    gosto demais das tuas palavras cruas, guilherme. elas sempre me trazem caminhos sem volta.
    Sigamos, nos perdendo então.

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