segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

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Eu fico leve, leve como uma pluma, e meu passo se torna mais firme, mais calmo, mais uniforme. Que bela noite! As estrelas brilhando tão luminosamente, tão serenamente, tão longinquamente. Não precisamente caçoando de mim, mas lembrando-me a futilidade de tudo. Quem é você, jovem, para estar falando da terra, de reduzir coisas a pedacinhos? Jovem, nós estamos aqui penduradas há milhões e bilhões de anos. Nós vimos tudo, todas as coisas, e ainda brilhamos pacificamente toda noite, iluminamos o caminho, serenamos o coração. Olhe ao seu redor, jovem, veja como tudo é quieto e bonito. Está vendo, mesmo o lixo caído na sarjeta parece bonito esta noite. Apanhe a pequena folha de couve, segure-a delicadamente em sua mão. Curvo-me e apanho a folha de couve caída na sarjeta. Parece-me absolutamente nova, um universo inteiro em si própria. Parto um pequeno pedaço e examino-o. Ainda um universo. Ainda indescritivelmente belo e misterioso. Tenho quase vergonha de jogá-la de novo na sarjeta. Abaixo-me e coloco-a delicadamente entre outros restos. Fico muito pensativo, muito, muito calmo. Amo todos no mundo. Sei que em um lugar qualquer neste momento há uma mulher esperando por mim e basta eu prosseguir muito calmamente, muito delicadamente, muito vagarosamente, para chegar até ela. Estará em pé em uma esquina talvez e quando eu chegar ao alcance de sua vista me reconhecerá – imediatamente. Creio nisso, portanto que Deus me ajude! Creio que tudo é justo e ordenado. Minha casa? Ora, é o mundo - o mundo inteiro! Em qualquer lugar eu estou em casa, só que antes não sabia disso. Mas agora sei. Não há mais linha fronteiriça. Nunca houve linha fronteiriça: eu é que a criei. Caminho vagarosa e beaticamente pelas ruas. As amadas ruas. Onde todos caminham e todos sofrem sem dar demonstração. Quando paro e me encosto em um poste para acender um cigarro até mesmo o poste parece amistoso. Não é uma coisa de ferro – é uma criação da mente humana, modelada de certa maneira, torcida e formada por mão humanas, soprada com sopro humano, colocada por mãos e pés humanos. Viro-me e esfrego a mão sobre a superfície de ferro. Parece quase falar-me. É um poste humano. É de casa, como a folha de couve, como as meias rasgadas, como o colchão, como a pia da cozinha. Tudo permanece de certa maneira em certo lugar, como nossa mente permanece em relação a Deus. O mundo, em sua substância visível e tangível, é um mapa do nosso amor. Não Deus, mas vida é amor. Amor, amor, amor. E no meio mais central de tudo caminha este jovem, eu mesmo, que não é outro senão Guilherme Canedo.

3 comentários:

  1. E aí Guilherme!
    Sempre precisamente adimirável é a tua escrita. Aqueles que são do mundo sente-se em casa em qualquer lugar, ou jamais terão esse sentimento por serem justamente do mundo, livres, habitam sem ter casa.
    Abraço cara!
    Mais uma vez digo que está ótimo tudo que tem escrito!

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  2. é raro alguém ter ainda este sentido de humanidade.
    parece que tudo foi sugado pelo cimento.


    belo texto.
    =)

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  3. Pensei na ejaculação precoce e no mundo. Tomamos, aqui depois da adolescência, lições de sexo tântrico.
    Mas a ansiedade era bonita também.

    "Tudo se come, tudo se comunica,
    Tudo, no coração, é ceia."
    (C.D.A. - Hotel Toffolo)

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