domingo, 10 de abril de 2011

Conto - Se juntin nois dois drumisse

   As rezas vinham diante da sua vida por todo o apelo do seu sofrimento, rezava sem parar para que Deus lhe ouvisse; não queria mais ver o solo arenoso e nem as rachaduras infinitas que se penduravam pelos vãos ocultos da sua dor. A sua esperança estava morta como o resto da vizinhança e a solidão pelo contrário do que eu poderia imaginar não foi o seu maior dilema; a vida sim se impregnava com um aroma diferente, uma sensação amarga de se obter uma resposta pelo seu suposto castigo.
   As pessoas fugiam com medo da seca, algumas fugiam levadas por anjos, outras preferiam morrer no inferno as bordas da linha do equador. A sua pele desmoronava tristeza, sua fraqueza física era evidente e cuidadosa, um disfarce da grande força que se escondida pelos belos vestidos da sua alma, porém a sua vida se esvaíra em um processo paulatino, pois a fome gritava nos seus ouvidos surdos enquanto a sede era o fio de uma morte anunciada.
   Ele sempre viveu à base desse sofrimento, pois ela, a sede, sempre matou e destruiu o amor da permanência, o amor da prolongação de uma vida e da certeza confirmada com o olhar da sua experiência. Mas dessa vez era diferente a estiagem, ela se prolongava pelos meses à dentro, vinha com uma brutalidade que em todas as suas cinco décadas de vida ele jamais havia visto, presenciado, tamanha destruição. A árida paisagem não consolava nem mesmo aos mortos, nem mesmo Deus acreditava que pudesse alguém sobreviver naquele inferno, onde até os sonhos eram evaporados pelo calor presente naquela inapropriada realidade. Eram assim os seus dias, eram assim os seus meses, era a vida que corria fugida pra se consolar com a morte.
   Deus não lhe ouvia e pelo jeito até mesmo o grandioso pareceu ter se esquecido daquele pobre senhor, porém isso era apenas mais um abandono, mais uma tristeza absorvida e embrulhada num papel celofane vermelho. Seus sentidos foram todos acumulados em uma caixa oca e sem vida, porém a única que não cabia em lugar nenhum era a dor de existir um sofrimento em toda a sua vida. Talvez de tanto sofrer seu coração tenha se tornado calejado, pois era fácil pra ele suportar mais uma dor quando tudo o que se via ao seu redor era o nada. À noite ele podia ficar perto de todos, olhava as estrelas em um balé de luz, mesmo não tendo certeza, queria encontrar seus filhos no luzir da lua, no paralelo de uma realidade diferente da sua, no crepúsculo da verdadeira felicidade.
   A revolta dentro da sua ignorância crescia em progressão aritmética. Por que ele? Já não bastava ser esquecido por todos? - Sua pergunta pairava no ar enquanto a resposta era evaporada pelos raios do sol da manhã...
Uma decisão – Foi o que ele pensou - Seria o último dia que iria fazer suas preces, não iria direcionar sua fé a Deus e sim ao Diabo que combinava mais no inferno em que ele vivia. Feito e dito. Pediu ao Diabo a bendita chuva enquanto seus olhos se fechavam lentamente ao brilho da última estrela.
   Quando acordou não existia mais o amarelado da luz, enxergava uma escuridão formada pelas nuvens de chuva. Em todos seus anos de vida jamais havia visto um céu daqueles, um negro carregado de ódio, o desejo lúgubre realizado pelo seu lamentoso pedido. Levantou da cama e ficou desfrutando o ar gelado que invadia a única janela da sua casa, um pingo acertou-lhe a testa ferindo sua pele castigada pelo sol; ele saiu de casa e correu feliz, pois estava rodeado pela chuva e grato pela nova vida que o Diabo havia lhe concedido.
   Viveu assim, grato pela bondade do Diabo, nunca mais passou fome, havia até esquecido o que era a sede. Viveu muitos anos, até que a canção da morte cantou-lhe os ouvidos. Ele morreu tendo uma amarga ilusão, ele não tinha idéia que a chuva não foi coisa do Diabo e sim as lágrimas de um choro divino.

2 comentários:

  1. morte e vida severina,sinta no ar paisagem crua, despida da morte, dos doces sonhos desfeitos, do asco...sentir como o vento a pairar nos olhos de deus ou diabo,como vestes de santo a perpetuar seus dias sem chuva, nesse caos de intermitências.

    sinta o sertão como se fosse poesia, sinergia, sinestesia, um fel a amargar a lingua, o duro do chão, o suor do chão, a fé sem fé no padecimento...

    abs, gui!

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  2. Olá, quanto tempo! Estava com saudades daqui!!! Seu conto me lembrou a música 'Farinha de Comer', do Fagner.. quanto tiver a oportunidade de ouvir. :)

    Muito lindo, muito lindo mesmo!

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