quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Conto – Borboletas de Muzo

Fecho os meus olhos e lembro-me da exemplar exposição do seu olhar, verde e esplendorosamente singelo, o poder de toda flora carregado nos seus olhos resplandecentes de mulher. Meu vôo é muito mais do que uma aproximação da realidade é o mito que nos acoberta nos devidos sonhos. Dentro deles sou complacente com o amor sugerido, revigorado pelos olhares e inoportunas sensações de formigamento em meu peito.
Sua chegada era programada, depois de anos de viagem. Partiu, feito louca deixando tudo e todos pra trás. Seu desejo era descobrir o mundo, encontrar-se no desconhecido e aprender com culturas distintas a melhor maneira de se definir. Desde criança, era notável sua aptidão e seu real envolvimento em se despir das coisas que a sufocava. Ela saiu de casa com a esperança de preenchimento do seu espírito, pois acreditava que algo maior era reservado pra ela no imaginário particular do seu mundo.
Quando ela fugiu da casa da minha tia, eu nem entendia seus reais motivos, talvez minha idade inferior e a falta de maturidade foram determinantes pra que isso ocorresse. Pra ser sincero, nem gostava muito dela quando criança, talvez por meus pais acharem que ela era meio maluca. Não sei. Só sei que sentia um pouco de receio, algo estranho que me repelia dela.
Uma quinta-feira chegou à notícia que ela havia partido, sem rumo, sem uma estrada predefinida. Foi um burburinho só, uma vergonha encarecida no lúgubre da alma da minha tia. Deixou apenas um bilhete falando que voltaria um dia, e que mandaria inúmeras cartas pra contar seus passos e inquietar um pouco o coração da sua mãe que tanto amava.
Pra mim suas cartas eram verdadeiras sagas, repletas de aventuras e fantasias. Comecei a admirá-la de tal forma, denominando-a como a aventureira dos meus sonhos. Com os anos fui esquecendo-me do seu rosto. Mas a cada capítulo, a cada versículo, a cada sensação de liberdade que ela me transmitia; era criado em mim centenas e inúmeras versões de uma mesma mulher.
A última carta dizia que voltaria em breve, que não agüentava de tanta saudade dos seus entes queridos. No momento eu senti certo pavor, um medo que escondia uma felicidade inquieta. Como estará ela agora? O que direi? O que farei? A curiosidade me matava a cada dia. Eu a esperava, procurando o desfecho de vê-la, de senti-la. Mas os dias iam pingando frustrações e eu as escrevia com o pensamento nela. Como será a sensação?
O engraçado é que tudo acontece quando menos se espera. Lembro-me como se fosse hoje ela chegando à casa da minha tia. Usava uma fita vermelha prendendo o seu brilhoso cabelo negro, um chapéu longo e um poncho dos Andes. Pra ser sincero não reparei nada disso assim tão rápido, eu fiquei fascinado por aquela mulher de olhos verdes. Minha prima.
A verdade é que aqueles olhos continham cristais romboédricos, de uma magia indescritível. Brilhavam como gotas de azeite. Aqueles olhos oblíquos. Feitos de uma pedra não talhada. Pareciam aquelas grandes esmeraldas da cidade de “Muzo”, que eu como químico e admirador do estudo da mineralogia soube ver e contempla-los com grande entusiasmo.
Fiquei surpreso por seu modo relaxado e dado. Sem nenhuma preocupação veio e me deu um abraço daqueles. Gostoso. A silhueta do seu corpo, o melhor desenho que Deus podia ter elaborado, a obra perfeita. Meu péssimo agosto dava lugar para um quente e acolhedor setembro, presente nas curvas do corpo daquela mulher idealizada.
Em questão de segundos parecíamos velhos confidentes. Eu sempre reclamando da minha vida. Dizendo que estava cansado de ser amorfo... Que a solidão é algo presente em meu espírito, que os meus sentidos foram aprisionados em uma cauda de estrela e levado pra não sei onde. Blá, blá, blá. Com ela tudo era diferente, ela era a lua e olhava tudo de cima sempre com maestria, sabia dentro de suas concepções que não há lógica em escrever, mas virtudes em se perder pra se encontrar depois. Uma mulher mágica que me chamava de anjo, o recipiente onde eu depositava meu amor gigantesco.
De certa forma ela fazia parte de mim, vivíamos entre as fumaças dos cigarros e da degustação de vinhos baratos. Sempre nos perdíamos naquele silêncio momentâneo, o presságio configurado pela repentina troca de olhares. O amor estava nascendo e a tentação expelia a grande histeria de nos possuirmos logo, de uma vez...
Não demorou muito pra sentirmos nossos sangues com laços familiares coagulados na loucura do desejo. Como descrever o sentir da encruzilhada das suas pernas?Não faço idéia. Só sei que fui absorvido dentro dela e minutos depois filtrado, como se tivesse sido acompanhado passo a passo no precipitar de minhas asas. Na minha concepção o erro é envolvente como nasceu para ser; e era na certeza que se criou entre nós.
Um dia ela me disse...
Sempre soube que partiria, ingenuidade minha achar o contrário. Eu gostaria de não sentir saudades, mas é algo que parte de dentro de mim e não tem como conter. Eu não poderia prendê-la, pois ela fugiu do destino mais certo... Que era estar comigo. Seus olhos significavam as mais belas borboletas, pois voavam sem destino certo... E sei que tais borboletas são muito mais bonitas quando podem exalar para o mundo toda a sua liberdade.

17 comentários:

  1. Cara! Gosto dos teus textos.
    Gosto dessa prosa poética que a gente lê e não sabe se é realidade disfarçada de ficção, ou se é ficção que finge ser realidade, mas que de um jeito ou de outro parece tão puramente verdadeira.
    Só sei que ler teus textos me dá vontade de escrever também...

    ResponderExcluir
  2. Olha eu aqui, envolta ao meus pensamentos, sentimentos, perdida nos seus versos...

    "Desde criança, era notável sua aptidão e seu real envolvimento em se despir das coisas que a sufocava."

    Gostei disso, parece-me familiar. Ahh, Guilherme, é lindo, como sempre! rs

    Da até vontade de sair por ai, exalando essa tal liberdade!

    Beijo

    ResponderExcluir
  3. Que linda suas palavras, meu caro!
    Possui o dom de costurar as palavras, meus parabéns!

    Obrigada pela visita no meu blog, sempre que der estarei passando por aqui. Espero que você não se esqueça de passar no meu também (:

    Percebi que você é Químico, e essa será minha futura profissão (daqui um ano e meio, por enquanto trabalho apenas com a Música).
    E como a Química é linda! Assim como as palavras que escreve.

    Beijos,
    Nayara K.

    ResponderExcluir
  4. ...
    -Uma vez mais palavras tão translúcidas. Foi muito figurativo, é bom te ler companheiro.

    ResponderExcluir
  5. Fantástico!

    Como vc escreve bem....me fez viajar aqui!

    Que bom lhe conhecer!
    Muito prazer e obrigada por sua visita!

    Voltarei mais e mais vezes ....e te espero por lá!

    beijos e lindo feriado!

    Bia Maia

    ResponderExcluir
  6. Na verdade sempre fiz isso...
    Desdos meus 15 anos que comecei a escrever gosto de multiolhares...
    E olha que hoje tenho 20.

    Se ver mais meu blog encontrará muitos outros assim. Olha as tags!

    Gosto de como você escreve também.

    Obrigada pelas visitas!

    Abraços!

    ResponderExcluir
  7. a saudade é um sinal de que algo de quem partiu ficou em nós.

    ResponderExcluir
  8. Texto gostoso e inteligentíssimo, amigo. Muito bem elaborado, prendedor. Obrigado pela visita, volte sempre e continue nos brindando com seus belos textos e simpatia.Um abraço

    ResponderExcluir
  9. -perfeito

    é oq posso dizer no momento a prosa em volta um clima de saudade e aventura um pessoa livre no mundo uma adimiração esclarecida.

    boa semana.

    voltarei sempre...

    ResponderExcluir
  10. Bom dia meu amigo, obrigado pela sua visita ao Livro dos Dias, volte sempre que desejar e puder, quanto ao seu post, belissimo texto, é sempre interessante a gente ler sobre saudade...forte abraço e um belo dia de paz a ti...

    ResponderExcluir
  11. As borboletas sentem necessidade de voar para longe. É triste amar uma borboleta... sabemos que nunca nos pertence.

    ResponderExcluir
  12. Eu gostaria de não sentir saudades, mas é algo que parte de dentro de mim e não tem como conter.

    tu escreve muito bem! passada!
    beijos

    ResponderExcluir
  13. Olá,
    Vim agradecer a sua visita e aproveito para dizer que ma agradou muito o seu texto, parabéns!

    Beijinhos,
    Ana Martins

    ResponderExcluir
  14. Olá, Guilherme.
    Venho mais uma vez por aqui, agradecer a sua visita e ler seu belo texto (e também os outros, sou muito curiosa, não aguentei e fui bisbilhotar o resto do seu blog). ´
    Seus textos são FASCINANTES!
    Escreve com a alma, e com a razão.
    Tem o equilíbrio perfeito das coisas.

    Estarei sempre aqui,

    beijos,
    Nayara K.
    (Lady Byron)

    ResponderExcluir
  15. E aí meu camarada!!
    Estou meio sumido dos blogs cara... faculdade e mais mil coisas outras...
    Cara, cada texto que leio teu parece que é o melhor que já li dentre os outros, já te falei isso eu acho, não sei se tem a mesma sensação da parte de escrevê-los.
    "Desde criança, era notável sua aptidão e seu real envolvimento em se despir das coisas que a sufocava. Ela saiu de casa com a esperança de preenchimento do seu espírito, pois acreditava que algo maior era reservado pra ela no imaginário particular do seu mundo."
    Cara esse trecho como muitos outros, achei delicioso a descrição dessa liberdade de um espírito aventureiro, livre no mundo.
    Adorei Guilherme, fora os pontos e vírgulas muito bem colocados.
    Abraço grande!

    ResponderExcluir
  16. alguns amores só existem em liberdade,se aprisiona a borboleta volta a e esconder no casulo e perde suas cores!

    lindo texto.
    bjs

    ResponderExcluir