sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Conto - Estrofes em pó branco

Alguma coisa foi feita de nós quando subimos ao patamar mais alto do que a saudade. Fomos colocados em estantes, expostos aos olhares indisciplinados da quimera necessária, somos a paixão que cresce desenfreada dentro do calor dos erros e acertos da nossa vida conjugal.
Casamos cedo, com aquela típica paixão avassaladora que nos prende aos sentidos de uma existência tão mortal quanto a sua. Uma expressão de amor formada pela angulação celeste, pelo cálculo da velocidade das batidas de corações acelerados... Éramos a inexplicável e difusa versão do que criamos pra nós mesmos. Minha vida é paralela a sua, é um estado até lastimável de dependência, construída na segurança garantida dos sorrisos despreocupados.
O engraçado é que nosso amor foi aumentando com o tempo, somos as nossas canções favoritas refinadas com o desfecho da improvável simplicidade. Era a primavera que pulsava em minhas veias, o cabedal sem matéria que foi sobreposto em minha vértebra para eu carregar... Como na memória recente dos dias que se passaram ao lado dela.
Quando a vi pela primeira vez confesso que não senti o exacerbado desejo dessas minhas palavras, acho que foi uma forma de sublimação que uniu nossos pedaços de existência no espaço. Seu cheiro era o gás das estrelas, o ponto de partida de uma suposta corrida de egos fixados pelo encontro da casualidade. Bastou apenas senti-la para eu ter a sensação do amor desconhecido, mesmo depois de uma vida recheada de amores ele sempre se manifestará no desconhecido. É um estado improvável de moralidade... São estrofes formadas pela branda e inexplicável circunstância de vivermos.
Eu sou muito mais do que sensações de formigamento, mas ninguém entende isso. Talvez pelo motivo da minha família desfrutar o delírio do dinheiro, os empecilhos se tornaram pra mim uma nova forma de liberdade. Já tive tantas casas que não me lembro mais, já morei na rua com a sensação do frio presente em mim... Eu moro junto com os meus pais.
A verdade é que eles não aceitam o meu amor, talvez o ego do dinheiro traga esses malefícios às pessoas. A vergonha de um filho é a febre que arde na hipocrisia da alta sociedade, são desculpas fugidas com excessos de palavras, são os belos vestidos dourados camuflando os mais variáveis problemas familiares.
Quem diria eu viver na esfera dos amores proibidos de Shakespeare, logo eu que achava que tudo que afeta o homem é como uma doença, a praga que nos tira do sossego e nos atira de cabeça no abismo da loucura. Eu queria que meus pais entendessem que a paixão se prolifera entre as aceleradas batidas do coração, como uma manifestação dos nossos poros... É o exercício das pequenas coisas sendo exaladas dentro dos ramos vazios do nosso sangue, é a protuberância sentida no envoltório da nossa alma.
Aos poucos foram reparando nas modificações dos meus atos. Eu queria viver a base desse sentimento, sustenta-lo a palha para que o ardor se mantenha firme e forte, de certa forma, mantê-lo aceso dentro da necessidade que meu corpo precisa.
Quando meus pais descobriram, quiseram urgentemente separa-la de mim, tentaram me convencer que o meu futuro aguarda uma metáfora do brilhante, das cintilantes arbitrariedades dos ternos e dos carros importados. A vida é feita de atos letárgicos que não suportam a verdadeira essência de ser eu.
Às vezes pensava se tudo o que eu estava abrindo mão era o correto, mas sabe como são essas paixões melosas que nos afoitam em atos, acarretando no nó de braços e pernas. Eu tinha a certeza em mim; a minha vida dependia da sua existência, pois ela me produzia sensações já mais sentidas, era muito mais do que minha própria realização pessoal e profissional, era a luz coagulada no meu sangue.
Há bastante tempo atrás, uns homens invadiram o meu quarto e usaram de força comigo. Diziam que era para o meu bem, que eu precisava de ajuda, como se eu tivesse que me libertar do que me prendia. Eu lutava contra eles, também sabia ser bruto... Até usarem um forte sedativo. Meus olhos caiam, fechavam contra a minha vontade até não ver mais o último brilho de luz...
Quando acordei, gritei pelo vão das grades, queria explicações. Disseram-me que eu estava internado em uma clinica de reabilitação para desintoxicação por uso excessivo de cocaína. Queriam me separar da paixão que me sustentava, dos frutos de um casamento fiel, que se fez pela inalação de sentimentos e inquestionáveis doses de rastro branco em cima da minha escrivaninha.
A raiva, a tristeza, o ódio e a carência se fizeram dentro da minha saudade. Não me importa quantas vezes eu vou voltar nessa base de Guantánamo, não me importa quantas primaveras a mais eu não vou ver o sol... O céu na China se fez de um vermelho brando, o meu céu é repleto de nuvens feitas de pó branco.
Infelizmente provoco diversas opiniões nas pessoas, alguns me julgam dizendo que eu sou louco, pelo simples motivo de estragar a minha vida perfeita; outros dizem que não há nada que o dinheiro não de jeito e que logo eu vou melhorar. De tantas especulações, e de tantos olhares afoitos ninguém consegue compreender que a verdade é que meu estágio não é de dependência, e sim de puro amor.

6 comentários:

  1. Natureza é pródiga, tudo vibra, tudo é amor. Nossa natureza é de puro amar. Assim como a terra molhada exala seu espetacular cheiro, da mesma forma nascemos para realizar o amar neste planeta terra. Mas, precisamos merecer este amor puro. Pois amar se aprende amando. Você escreve muito bem. Sublimes abraços

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  2. Amor, amor é o deus de uma mitologia que não morre e nunca envelhece!
    teu conto está formidável!

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  3. Nossa me identifiquei mto nesse texto...

    Parafraseando Paulo Coelho, "Seja no meio do deserto ou nas grandes cidades, sempre estamos em busca do amor"...

    E não há outro sentido maior para viver, senao por amor...

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  4. GUILHERME
    obrigada pela visita
    Para mim uma pessoa nova é uma oferta linda...
    o mar meu amigo é isso ...
    tudo leva e tudo trás...
    o poeta não se cansa nunca de o escrever...

    um beijinho para ti


    VOU

    Vou…
    Venho …
    E …
    Fico…

    Vou para onde?
    Venho porquê?
    E fico para quê?

    Não sei …
    Não encontro resposta…

    Só sei…
    Que vou…
    Que venho…
    E que fico…


    E quando vou…
    Quero ficar…
    Porque sei que vou…
    Que volto …
    E quero ficar…



    Lili Laranjo

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  5. As lágrimas chegaram a brotar dos meus olhos.
    A uma verdade que assusta, e encanta nos teus versos...

    Lindo, Guilherme! Me encontro e me perco, a cada palavra que leio aqui...

    Beijo, e boa semana!

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  6. Olá guilherme!
    Cara, impressionante!
    Como é possível viver tantas coisas em sentimento/pensamento, e que o mundo é feito disso.
    Achei essa frase de uma imensidão de um texto:
    "A vida é feita de atos letárgicos que não suportam a verdadeira essência de ser eu"
    Bravíssimo o texto!!!
    Abraço cara!

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