terça-feira, 21 de julho de 2009

Conto – Amarelo

Quando eu a conheci logo me veio aquele desejo proveniente da ventura, como se o crestar definitivamente tivesse se tornado no ardor do contentamento. Como poderia eu não notar no seu singelo sorriso, a verdadeira essência do experimental nascendo nas curvas dos seus loiros cabelos.
Na época eu queria ser o Bob Dylan, andar vagando com minha simples gaita, lançando solos soprados acompanhados do meu velho e saudoso violão. A arrogância era a mesma, feita de complementos ardilosos e um pouco de ousadia, o que acarretou em alguns amores derivados no fervor do folk.
Eu não era nenhum gênio musical, porém me arriscava em algumas apresentações. Variava meu repertório entre coisas que eu achava interessante, adaptando musicas ao meu tipo de voz e levando-as na cadência de quem sabia que estava no controle. Fez-se então a mágica transformação das iguarias da minha mente, a recordação solene da juventude aos pés da caduquice.
Lembro-me como se fosse hoje o som do meu violão e da luz do palco que lançava sua furtiva e ofuscante adoração por mim. Os olhares de admiração de todos quando eu evocava dos pulmões o som doce da minha voz defronte ao microfone, é algo habitável dentro do espelho quebrado da minha memória até hoje.
Foi em uma dessas ocasiões com trilha sonora que eu a vi pela primeira vez. Estava eu tocando uma musica que agora não me lembro, só sei que o baque de enxergá-la no meio daquele mar de gente foi tão grande, que a voz pigarreou e as notas do violão saíram completamente descompassadas. Parecia um delírio dos meus olhos, uma febre que ardia, uma imagem que não cessava dentro do meu peito. Meus poros sugavam substâncias desconhecidas, uma invasão de cores, a combinação de todas elas, era o branco a cor do amor.
Não pude deixar de notar que a adorável mulher dos meus sonhos usava uma camisa branca com letras bem grandes The Beatles. Eu sempre fui um cara cheio de artimanhas, aproveitei a ocasião e toquei propositalmente yellow submarine para impressioná-la.
Quando acabou a minha apresentação fui diretamente ao bar pegar uma cerveja para molhar minha garganta seca, quando de repente a formidável mulher veio andando ao meu encontro. Seus passos pareciam macios, pois acariciava o chão como figurantes brumas dos incrédulos, um charme, o engodo fácil para as tentações do sexo.
Começamos a conversar à beira do balcão do bar. Ela me dizia que havia adorado a minha apresentação, e afirmou convicta que a melhor música que eu havia tocado foi a dos Beatles. Ponto pra mim!
Um mês depois desse ocorrido já estávamos morando juntos. No início ela odiou meu apartamento.
- Como você consegue viver assim sem mobília, com apenas um colchão estirado ao chão? – lembro-me dessa pergunta claramente.
Eu também odiei de início o apelido que ela me deu. Vê se tem cabimento ficar me chamando de Amarelo, só por causa do yellow submarine? Mas como o tempo é o fio pro carinho, eu logo me acostumei a viver recluso dentro dessa idéia.
Nossa vida passou a ser regada dentro do que era cabível dentro de nós mesmos. A gente transava no colchão, de vez em quando escorregávamos pelas paredes da sala, em outras sentíamos o ranger dos tacos soltos do chão. Vivíamos a nossa história como em um musical alcoolizado, onde ficávamos pulando na loucura jovem, embelezando ainda mais a nossa relação.
Antes que eu me esqueça. Se tivesse uma mesa no meu apartamento provavelmente faríamos sexo em cima dela também. Éramos o suplemento da nossa respiração, éramos a poluição chamada óxido de amor.
Tudo seguia belo como nas primaveras das cidades turísticas. Quando de repente ela chegou até mim e me disse que iria embora. Não houve nada que eu pudesse fazer, ela juntou as suas roupas e desapareceu no horizonte. No dia seguinte, eu fechei a janela do meu apartamento, encostei meu violão na parede e jurei também que nunca mais iria voltar.

9 comentários:

  1. Já pensou em escrever um romance? Eu ia correndo comprar o que quer que você escrevesse.

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  2. Eu gostei disso aqui.
    Parabéns pelo espaço.
    Abraços!

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  3. Cara! muito foda teu conto, muito bom mesmo! queria eu saber escrever um conto, mas bato sempre com a cabeça na parede quando tento!

    muito bom, quero ver o próximo, to ansioso!

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  4. Enxergo na sua prosa toda a força da sua juventude e a beleza do encaminhamento de palavras excelentemente escolhidas. Adoro seus adjetivos, adoro sua juventude. Também vou correndo comprar seu romance. Besos*, Fan.

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  5. Oi, Guilherme, vim aqui retribuir a sua visita. Achei seus textos cheios de imaginação!
    PS - Por acaso você é parente da Letícia Canêdo, que nasceu em Muriaé e mora em São Paulo?

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  6. Estupendo!!!
    rs, esse ficou muito bom mesmo!
    E como disse o cara aí de cima, é realmente um clima Johnny Cash...

    "Eu também odiei de início o apelido que ela me deu. Vê se tem cabimento ficar me chamando de Amarelo, só por causa do yellow submarine? Mas como o tempo é o fio pro carinho, eu logo me acostumei a viver recluso dentro dessa idéia."

    Achei muito massa esse trecho!
    Abraço!

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