sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Café com leite de rosas

Tudo começou com uma música e certamente terminará da mesma forma. Essa música representa a intensidade dessa história, desse amor ordinário e controverso. Eu me odiaria se a música fosse outra, odiaria amar outra pessoa, poderiam até trocar as vírgulas, os parágrafos, à intensidade, o calor, a chama ou qualquer outro desenrolar, isso eu guardo pra mim, me basta. Às vezes, estamos tão fundo dentro de nós mesmos que não enxergamos que a solução das mazelas é deixar-se a deriva, deixar que as pessoas entre e estourem a bexiga, explodam aquela consciência fugaz, e te libertem daquele precipitar de solidão. Depois de muito tempo me sentia vivo, vivo o bastante pra me tornar amigo do tempo, das horas... Eu estava pronto pra viver, pra me jogar abaixo desse abismo e voar sem rumo. É bom pensar que a vida é assim, um tiro num peito de um morto, uma constante busca pro nada, uma história que se compõe a partir de um empurrão nas suas costas.

A gente ainda não sabe como discernir o que é real ou o que não é: Sabe o que me perguntei um dia desses? Uma pergunta simples. - Por que não? As coisas chegam a um ponto que se você se entregar a dor de barriga, ela, certamente, irá te assombrar pra sempre, eu não queria isso, aceitar que as coisas têm que ser impostas. Sempre aceitei tudo, com os ouvidos de burro, e sempre me senti instintivamente amarrado dentro desses pensamentos inúteis, desses excrementos, desse exercício diário que a rotina propõe. De repente, eu comecei a pensar, pois tê-la fez com que eu enxergasse um pouco a luz que havia sido destinada pra mim. Estava participando do seu céu, caprichosamente, dormindo nas suas nuvens, e esse foi o estímulo bom o bastante para dar um basta na minha vida.

domingo, 18 de setembro de 2011

Conto - O segundo dia

Peguei a calça de moletom no chão, abri o armário, peguei um casaco de lã e constatei que hoje fazia bem mais frio do que ontem. Meus dentes se batiam de tamanho frio, há muito tempo eu não via um frio daqueles, fui abrir a janela do quarto para descobrir que não é pra abrir essa ou qualquer outra janela nunca mais. Peguei o cobertor, joguei-o sobre meus ombros e fui à cozinha preparar um saboroso café. O pão eu coloquei numa chapa para esquentar e sobre ele passei uma manteiga, essa, que derretia com tamanha perspicácia que não me contive em dar uma mordidela. Levei tudo para o quarto, voltei a me cobrir, liguei a televisão e me senti como um conde solitário. Tudo parecia controverso, nenhum pouco satisfatório, porém estava me sentindo disposto e com uma vontade de escrever algumas coisas... Peguei a máquina de escrever, colocando-a sobre o meu colo, e continuei dando valor as fumaças que me rondavam naquele momento. Escrevi umas cinco páginas que até as considerei boas, mas completamente monótonas, estava me sentindo tão confuso quanto Jean Genet no início de o Diário de um Ladrão. 

Consegui levantar da cama, de acordo com o relógio, umas duas e quinze da tarde. Tirei as remelas dos olhos, tirei uma meleca do nariz e cocei meu ouvido esquerdo com o mesmo dedo que fiz todo o resto. Por isso é bom estar sozinho numa casa, sei lá, você se sente mais homem nessas horas, se sente mais livre de alguns conceitos. Fui ao banheiro dei uma bela de uma cagada e li metade do jornal que trouxe da viagem de ontem. Lavei minhas mãos e fui diretamente à cozinha preparar uma macarronada sem molho. E como estava ruim aquilo, puta que pariu, eu não sei por que insisto em coisas que não tenho talento. Uma coisa que devo confessar agora, eu sou muito chato com a minha teimosia. 

Eu estava precisando muito de cigarros e de bebidas quentes. Arrumei-me rapidamente, procurei um casaco bem grosso, coloquei uma touca que tampasse bem os meus ouvidos e procurei um guarda-chuva que fosse grande o bastante pra tampar três de mim. Ontem, enquanto passava de ônibus, vi que havia um mercadinho que julgava não ser muito longe daqui. Errado. O mercadinho era uns vinte minutos afastados da casa de praia, falando assim, nem parece muito longe, mas porra, vinte minutos de baixo de chuva, com toda a água que caía, é se considerar um pouco anfíbio. Enfim, cheguei ao mercado, encharcado, e fui logo à cessão de bebidas. Fui pegando, vinhos, uísques conhaques e afins. Fui ao caixa e perguntei à única pessoa que trabalhava naquele estabelecimento: - “Onde encontro os cigarros”? Ela parecia um pouco entediada e me respondeu: - “Vire-se”. Eu me virei e havia um grande anúncio de cigarros. Peguei três maços de Marlboro Light e perguntei quanto sairia tudo o que havia comprado: - “Tudo sai por quarenta e sete reais” - me respondendo ela friamente. Dei o dinheiro e saí porta a fora. 

Chegando a casa fui logo tirando todas as roupas molhadas e me direcionei ao banheiro. Fiquei nu, abri o registro do banheiro, e esperei que a água esquentasse o suficiente para que o “box” se enchesse de um vapor fervente. Nessa espera acendi cigarros, um atrás do outro, e fiquei pensando em branco. Entrei em meio à cortina de fumaça e senti aquela água tateando meu corpo, ficando horas e horas me deliciando, perdendo ou ganhando tempo, tanto faz, só sei que aquilo era distante demais do que eu havia sido induzido a fazer. Tomei o banho mais longo da minha vida, apressei-me para colocar roupas secas e bem quentes e abri uma garrafa de vinho. Liguei a televisão e fiquei assistindo a novela das dezoito horas. Acabei, pelo marasmo, cochilando. Acordei passando um pouco mal, uma dor no estômago que me doía intermitentemente, era uma dor tão forte, tão contundente que pensei várias vezes em sair atrás de um posto de saúde. Porém, chovia muito e o frio, que nos atravessa a carne, era algo indescritível até para um europeu. Por maioria de votos decidi ficar sofrendo no meu silêncio. 

Passei horas e horas implorando que aquela maldita dor passasse... Eu já fui a centenas de médicos, fiz milhares de exames e ninguém nunca me disse o que realmente eu tinha e de onde surgia todo aquele berro. Confesso, eu até comecei um tratamento, certa vez, era uma tratamento homeopático, muito demorado; porém, sou muito impaciente com resultados prolongados e acabava que em vez de tomar um comprimido, eu engolia de três a quatro diariamente. Só existia um método que funcionava contra isso... E eu o fiz.

sábado, 10 de setembro de 2011

Conto - O primeiro dia

     Chovia bastante, o que estava sendo comum naquela semana, e da janela meu maior divertimento era olhar o percurso da água na calha do telhado da garagem. Normalmente, nessas horas de reflexão, eu acenderia um cigarro e me libertaria de alguns pensamentos contundentes, porém tinha tanta preguiça de molhar meus pés e sentir o frio daquele vento que decidi que pra mim o melhor mesmo era estar na nostalgia. Eu, facilmente, poderia estar vendo um bom filme ou lendo um bom livro, só que não há nada de bom pra se ver ou ler nessa casa de praia. Tudo sempre foi um engano. 

     Meu maior sonho era ser um escritor, só que eu sempre fui preguiçoso demais pra terminar qualquer coisa. Eu até tinha começado um livro, por um tempo aquilo me fazia perder horas, coisa que ocupava meu tempo e minha cabeça, mas depois tudo se tornou um grande martírio, uma verdadeira encheção de lingüiça. Alice disse que o livro estava ficando ótimo, só que eu não tinha certeza de quase nada na minha vida, tanto não tinha que nem sabia o que Alice era minha... 

     A chuva já não me entretinha mais. Decidi então, por muita vontade de fazer alguma coisa, que cortaria a barba. Fui ao banheiro, fiquei de frente ao espelho, dei uma bela visualizada no meu rosto e decidi que não... Não cortaria a barba. Ela estava do jeito que eu gosto e certamente Alice reprovaria meu ato. Sabe o que ela diria pra mim? - “Marcelo, desespero não combina nenhum pouco com você”. E não existe nada que eu odeie mais do que dar razão a ela. Chuva, chuva, chuva, chuva, chuva. Sozinho, sozinho, sozinho. No meu discurso profético do anoitecer, certamente, teria muito dessas duas palavras. Já está escurecendo e isso é sempre bom pra se sentir mais próximo do amanhã, pois à noite, eu consigo pensar um pouco melhor, pode parecer mentira, mas com o barulho da chuva e quando não se vê as estrelas no céu eu fico bastante inspirado a escrever. Diferente de alguns poetas eu não preciso da lua pra nada. 

     Mesmo inspirado, eu tinha preguiça, muita preguiça mesmo. Outra coisa que odeio, tirando dar razão para Alice, é ter sono quando estou com vontade de escrever. Cara, por que isso sempre acontece comigo? – “Não sei, não sei, mesmo”. No relógio da parede marcavam meia-noite e fiquei um pouco realizado em ter lutado contra toda a profundeza do que é a preguiça e o sono em mim. Fui ao banheiro, escovei meus dentes em cinco minutos cravados, como costumo sempre a fazer, levantei a tampa do vaso sanitário, me curvei e joguei um pouco a cabeça pra trás, dei um gemidinho básico, dei uma sacudidela no meu pau, limpei com papel higiênico o canto do vaso que tinha mijado, puxei a descarga, apaguei as luzes, acendi as luzes, pois havia me esquecido de lavar as mãos, sequei as mãos na toalha de rosto e fui tentar dormir. 

     Exatamente, caro leitor, eu fui tentar dormir. Ao mesmo tempo em que chuva e noite me inspiram elas me tiram o sono, porém lutei como um guerreiro. Meu primeiro ato foi ficar quieto, o segundo ato foi relaxar, o terceiro ato foi tampar meus ouvidos com o travesseiro, o quarto ato foi pedir a Deus pra me fazer dormir, o quinto ato foi mandar tudo se fuder, o quinto ato achei melhor nem escrever aqui. Fui à cozinha. Abri a geladeira e fiz um sanduíche de presunto e queijo, preparei um suquinho de laranja e me sentei à mesa, puto, muito puto mesmo, com essa situação de seu corpo implorar pra dormir e sua cabeça não parar de pensar um monte de sandices. Eu não gosto de criar estímulos para dormir, mas porra, eu já havia me realizado naquele dia e não havia mais nada pra fazer, já havia até começado a escrever alguma coisa. Decidi procurar e só depois de muito tempo que consegui achar o Rivotril. Tomei um comprimido daqueles e mergulhei num profundo e sonolento marasmo, vagarosamente fui me deitando, me cobrindo, me aconchegando, ralando a cama e finalmente apagando.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Café e Açúcar

Eu senti algo congelando dentro de mim, parecia que havia água fria passando pelas minhas veias, só de vê-la passando pela porta, indo embora, e nem se passaram três segundos para bater aquela saudade do seu cabelo crespo. Nunca me senti só e imprestável como ontem. Meus planos desmoronaram como castelos de açúcar e todas as chances que havia conquistado não passaram de um deletério. Eu não sei o que acontecia, como as coisas tomaram essa forma, só sei que em questão de segundos me senti pior do que um cão. Eu estava arruinado, assim, como meu amor...

domingo, 4 de setembro de 2011

Afogando-se em seu próprio mar de fel

A cama havia sido preparada e eu nem tinha reparado. Não propriamente poderia chamar aquilo de arrumação, mas foi à forma delicada que ela viu para me dar conforto. - Apenas escondeu o lençol e jogou sobre a cama uma toalha úmida. Penetrá-la foi bom, seu corpo movia-se, ora seguindo o meu balanço, ora parecia ter vida própria, seus movimentos descompassados eram ricos e diferenciados, e proporcionaram-me prazeres inolvidáveis. Ficamos por algum tempo deitados, olhando para o teto cheio de infiltrações, sem sequer dizer uma palavra um para o outro. Ela virou-se de lado, com suas costas voltadas para mim, e eu pude claramente reparar nos seus pulmões enchendo e esvaziando de forma ofegante, suas costelas sobressaiam estufando sua pele quando o ar a visitava. Abracei-a, generosamente, grudando seu corpo ao meu, dei-lhe um beijo singelo no pescoço, e ela buscou meu braço, como se naquele ato quisesse me dizer algo, como se buscasse a proteção que nunca conhecera em toda a sua vida. Eu achei agradável aquela demonstração de carinho: - “Só não achei que encontraria isso com uma puta” - e estava tão gostoso o momento que ela parecia há primeiro instante ter dormido. Eu consegui desfazer-me dos seus braços e vesti-me rapidamente. Enquanto calçava meus sapatos, sentado à beira da cama, pensei, juro que pensei se a pagava ou não. Confesso, hesitei por um instante, acendi um cigarro como se quisesse nesse ato encontrar o meu caráter. Olhei para ela nua atirada sobre a cama, certamente vencida pelo cansaço, em seu corpo pequeno e frágil e notei a covardia que seria se não a pagasse. Retirei uma nota de cinqüenta reais do bolso da minha calça, muito mais do dobro do preço que me cobrara, e o deixei sobre o criado-mudo ao lado da cama, e sai em silêncio, sem sequer olhar para trás. Na rua, em meio a algumas pessoas bêbadas, olhei para cima buscando, despedindo-me, e surpreendi-me ao vê-la enrolada em um lençol fitando-me, retirei o chapéu como forma de comprimento e, ela sorriu como se quisesse me ver novamente.