terça-feira, 26 de outubro de 2010

Je N'en Connais Pas La Fin

Se existisse alguma coisa no céu que escrevesse sobre permanência leria linha por linha suas regras, ininterruptamente, paulatinamente. À noite parece que cobriu as estrelas com sua capa protetora e nada mais posso esperar além da fumaça que solto de mim. Tudo se resume do nada e esse tudo é o que admiro nesse exato momento; é a solidão enobrecendo o meu espírito. Penso muito no que vai ser daqui pra frente, no quanto o tempo é capaz de curar as feridas e tudo o que surge são promessas. Não sei o bastante sobre a vida, mas sei o bastante para manter-me vivo. Tenho um lugar, um mundo, entre a multidão e tudo o que queria era jogar todos no lixo com suas falsidades. A solidão é desonesta quando se alcança o outubro e me vejo distante demais pra conseguir pegar com a mão o pouco de sanidade que resta. Isso tudo voa para o olho do furacão e é inalcançável, inacessível; são os resquícios do final do mês escorrendo seus pecados. Quando aquele simples pecado não te enxerga como deveria as mutilações começam pelo peito, e tudo isso faz parte da cabeça, da dança. É como nas distorções, nas luzes lançadas no palco, onde o vermelho camufla todo o ócio enquanto o azul faz a mente girar no ritmo da nova juventude. Eu queria o mar inteiro e tudo o que tenho é um filete de água, um azul, que não me pertence.

Tipo Uísque - If You Go

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Pecando na vontade

Não foi dessa vez, provavelmente numa outra ocasião, num tempo de verossímil desamparo e tristeza, no qual necessitava desesperadamente de um abrigo. Eu quase me obriguei a isso, tentei forçar as coisas por detrás de uma cortina que parecia ser segura o bastante para se esconder, se encolher. Necessariamente, não acho que pensar seja sinônimo de compreensão, de sabedoria, isso tudo a meu ver não passa de medo escancarado. O meu problema no geral foi à necessidade de não ter, de estar numa eterna procura sabe-se lá de que. O que pode se considerar uma gigante babaquice. Por cerca de seis meses evitei intimamente os meus amigos, evitei sair com eles e me misturar a um tanto de pessoas que não me traziam nada, só mais tristeza e dor. Confesso que um amigo em especial, às vezes, conseguia me envolver nas suas conversas e me convencia a fazer alguma coisa a seu gosto; e com ele sempre me sentia bem, talvez por me sentir especial ao seu lado. Fiquei com inúmeras mulheres, algumas bem interessantes e outras nem tão interessantes assim. Eu creio que nessa época de desespero sem fim, estava acreditando demais no amor e nas poesias. Pra cada mulher que me envolvi eu escrevia um texto, um conto, mas nunca poesias; talvez por não oferecer o que tanto procuravam ou simplesmente por não ser capaz de fazer uma boa poesia mesmo. Fernando Pessoa sempre foi capaz de me fazer sentir um merda. Nessa época tornei-me amigo de uma grande pessoa e todos os dias nos encontrávamos num bar para conversar sobre livros, filmes, mulheres, imbecilidades e porque não para tomar umas cachacinhas. Eu adorava ler suas poesias, não eram aquelas poesias rebuscadas, eram intensas e sortidas dentro do seu desespero. Agora imagine quando chegávamos à noite já bêbados e discutíamos sobre nossas divergências poéticas? Palavrões cantavam e tapas quase saiam... Mas sempre nos encontrávamos e assim ficávamos presos dentro dessas brigas todo santo dia. Eu acho que por causa dele saí um pouco do sofrimento que estava sentindo, os problemas já não eram tão confusos assim; o tempo foi capaz de cavar a sua própria cova. Sentia-me feliz novamente, arrisquei até algumas poesias ao seu conselho, e ele dizia adorar. Mentiroso. Certo dia ele não apareceu para nosso encontro diário, no seguinte, no seguinte e no seguinte também. Soube por outros que ele quase morreu e que estava internado em uma clínica para alcoólatras. Logo que saiu ele me ligou e marcamos de fazer algo, fomos para o mesmo bar e passamos a tomar coca-cola, não era tão legal como antes, mas mesmo assim me senti feliz, não por mim, mas por estar retribuindo indiretamente a ajuda que ele tanto me deu.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Exibição do quadro da dama

Eu tentei parar a chuva para não transbordar a imensidão do mar em nós. O que você ouviu sobre isso? O que você pensou sobre isso? Sei que você chorou e tantas lágrimas não mudaram as coisas, o carrossel continua tocando a música alta em nossos ouvidos. Quando te beijei, beijei sem ter motivo algum, beijei por sentir as poesias que escrevo, por sentir as gavetas postas em seu lugar novamente. Mas nada disso se parece com um raio, nada disso levanta suposições, nada disso é destruidor o bastante. Rabisquei as horas e um tanto de pele que me sobrava e nem o contato mais essencial te trouxe os meus sonetos. Você sabe o quanto não me prendo as regras, as grafias; tudo deveria ser livre como naquilo que sei fazer de melhor, porém nem o meu melhor é o suficiente para encher a puta dos seus olhos. Como estou enfraquecendo não sinto muito isso, você é tudo o que me faz acreditar e amo poder acreditar. Creio nisso tudo e em um tanto de idiomas que se diz na alma, esse tipo de coisa que você não se interessa nenhum pouco.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Lamento

Memórias de um homem esquecido

- “E se todos os olhos se fechassem na brisa gelada e apenas eu pudesse enxergar”? – “O que enxergaria primeiro”? Na verdade queria saber o tão cego sou agora e quanto não sou capaz de enxergar certas coisas. Um dia me defini como um sujeito atroz, e isso é a mesma coisa do que pisar sobre o fogo esperando que ele se fundisse a mim sem me queimar. Certas características não são propriamente verdades e tão pouco mentiras; é como viver no ar dependurado sobre as nuvens esperando ser empurrado. Há algum tempo atrás fervia idealizações e tantas coisas assim me fazia feliz ou apenas ausente da tristeza. Por muito deixei de sonhar e por tão pouco deixei os detalhes escaparem por entre meus dedos. Hoje vivo a plenitude de qualquer realidade, a que eu quiser pra mim ou a que quiser inventar. E isso é excelente, isso me traz maturidade, me traz experiência e um tanto de aventuras, um tanto de loucura, de insanidade e de atrocidade. Minha pergunta é: - “Quando tudo isso não tiver mais valor o que eu pretendo olhar”? Não tenho aqueles tipos de preocupações casuais de encontrar o amor da minha vida e de ser feliz para sempre. Sou o tipo de pessoa que se apaixona todos os dias e que prefere morrer a viver restritamente uma ânsia coletiva. Se uma pessoa ainda falasse comigo diria que geminiano é um pé no saco. Está aí uma coisa que sinto saudade de ouvir. Às vezes tenho vontade de sair e encher a cara de conhaque, uísque e cerveja, como se já não fizesse isso, e me casar com uma prostituta qualquer. Iria apresentá-la a todos os meus amigos e ainda a levaria na festa de final de ano na casa do meu chefe. Quando me perguntassem como nos conhecemos diria: - “Não me lembro”, - e caso uma dessas pessoas a conhecessem da noite e viesse me dar um “toque”. – “Cara, como você se casa com uma puta dessas”? Eu responderia que havia me casado exatamente por isso. Nunca tive essa distinção ou esse pensamento de saber separar detalhes, de priorizar parênteses de aspas. Eu não morreria por amor, mas seria capaz de matar pra cultivar meu jardim de serenidade.

Carlos Posada - Lamento

               

domingo, 10 de outubro de 2010

Cores de Almodóvar

Memórias de um homem esquecido

Sobre a mesa tudo o que sobrou foi apenas uma flor artificial e resquícios de pó branco. Cobertores e travesseiros espalhados completam minhas nuvens pretas. Latas de cerveja, sobras de comida, formigas lavando seus pés no açúcar, e um esquadrão de "Gregórios" saindo pelo ralo do banheiro saboreiam a luz entrante do basculante. Eu levanto, cansado de não fazer nada, sem camisa, apenas trajando uma calça xadrez vermelha e preta e me sento no sofá, acendo um cigarro e vejo a mulher sem nome de ontem vestindo-se apressadamente diante dos meus olhos saindo porta a fora. Pra ela faço uma cara de deboche e tento imaginar o que fiz na noite de ontem. Minha barriga ronca, pelo jeito ontem não comi nada a não ser... Enfim, isso só alimenta meu âmago. Na geladeira meia dúzia de frutas podres e um leite mais azedo que limão verde. Evidentemente estava numa ressaca daquelas e esse cheiro de leite azedo quase me fez vomitar. Os dias parecem ter perdido suas cores, nuvens negras estaladas num céu de mercúrio e um tanto de esquizofrenia instalada no ar. Meus pés pareciam mortos em meio a cacos de vidros e meus ouvidos poluídos pelas notas algébricas de um dia tão triste quanto chuvoso.  Às vezes tento encontrar razões pra justificar quais os motivos que me levam a ser assim tão leviano com tudo.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Onde o rio flui

Todo o gosto que poderia sentir encontrei entre aquelas pernas, uma adesão de conhecimento, de estranheza e de uma benevolência experimental. Nada parece fazer sentido quando o sentido está a sua frente mexendo sua franja e te olhando com a meiguice dos bêbados. Nada parece ser forte o suficiente para separar a magnitude do que estava acontecendo; nem chuva, nem relâmpagos e nem ao menos a sua provável amante.  Eu tinha na cabeça a sua imagem a vida toda e toda a vida parece ser curta quando estou sentado ao seu lado na mesa de um bar da Lapa aos raios do amanhecer. Entre os muros apertados, entre caminhos rearranjados com mármores do céu das calçadas e com o forte cheiro de amônia proveniente de uma noite regida a fermentação, eu poderia facilmente gritar que me sentia seguro o suficiente pra morrer, ainda mais quando tudo o que mais desejava caminhava no mesmo sentido do meu sangue.