sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Conto – Retalhos de um tecido vermelho

Verde são as folhas... Amarelo, roxo e azul são as pétalas que desabam com o anúncio certo do inverno que virá. Nós estamos engendrados nesse estado cíclico, aprisionados em uma cadeia, onde muitas vezes mostramos com orgulho todos os nossos elétrons emparelhados, enfileirados, desfilando com clareza a padronização imposta de como devemos nascer e morrer... Somos como a ressonância do benzeno, e viver é um estágio apolar de exposição.
Aprendi aos poucos a enxertar os espaços vazios, mesmo com as dificuldades impostas consegui remendar os trapos que encontrei. Minha vida é feita dessas combinações. Combinações essas de cores mal selecionadas que amedrontam um coração que nasceu pra ser calado. Meu modo de existir é uma idéia, uma forma quase aleatória, um sorteio divino a qual eu não tive a ventura de ganhar o prêmio sacro da felicidade.
Em um momento da minha vida tudo o que eu queria era encontrar um refúgio, um lugar aonde eu possa me esconder de mim mesmo. A questão não é e nunca será uma procura de quem sou eu, tudo é apenas uma fuga da realidade. Se existe alguma pretensão, ela é o desejo de desmanchar ao gotejar da chuva. Eu queria ser a fumaça de um cigarro pra poder fugir pelos vãos das paredes, com o intuito da procura, com o objetivo único e final da dissipação.
As pessoas nasceram para escolher os seus caminhos e as inúmeras ramificações da estrada reta. Dando aqueles passos incertos da progressão natural que todo ser humano é submetido... Ou de quase todos eles. Eu infelizmente não tive a sorte de ser esse homem, o quebra-cabeça destinado a mim foi indubitavelmente o jogo de retalhos. Desmantelaram-me, rasgaram-me e agora me reconstruo com os trapos de distintas cores que vou encontrando no simples ato de viver.
Fui atirado no covil de onças e leões e aos poucos vou aprendendo ou me acostumando com isso tudo. Joguei os meus números nas variáveis da fórmula da existência, e o resultado final é que tentar se encontrar é o sinônimo da perda. Quantas vezes eu ouvi que o amor poderia crescer nas pessoas? Não sei. Só sei que é ingenuidade minha achar que imitar e se aventurar pelo desconhecido é um sentimento afável. Quantas chances eu me dei para amar e ser amado?... Talvez isso esteja na referência do contentamento descontente.
No céu as coisas são bem diferentes, amamos pelo simples motivo de termos que amar... E isso nos bastava. O amor é como uma luz titubeante, e o seu reflexo no espelho é um sentimento infalível que não pode nos faltar. Sabíamos em nossas concepções que cativar é um estado gasoso para ser inalado com o ar. Sim, eu tenho muitas saudades desse oxigênio todo.
Tentei fugir ao máximo, tentei esconder-me por detrás das nuvens enquanto a extensa fila se formava. Eu queria ficar na minha casa onde o bem é recíproco e acolhedor. Acabei sendo levado com a promessa de que minhas asas seriam apenas podadas, e por fim terminei assim... Desasado e sozinho em um lugar longe do meu modo habitual de vida.

...Viver é um estágio permanente de dependência...
... E morrer...?


O jogo é o mesmo, só mudaram as peças do xadrez ou somente as cores. O fracasso é pendente com quem é complacente com ele. O tempo passa pra todos e morrer assemelha-se a volta, e voltar é juntar todos os fragmentos... Toda vida, por mais infeliz que ela seja é como um método, nada é feliz por completo e nada é mais triste do que quando julgamos não ter nada propício, nada a favor.
Nascemos puros, com uma única cor para nos definir. Se lhe serve de esclarecimento, todos nós somos fontes de uma única coisa. Imaginemos uma folha de papel, parece ser tão inanimado, tão sem graça. Mas o início da vida é assim mesmo, não temos muitas coisas pra relatar. Depois suas vertentes se criam, o lápis é encontrado e a história da sua vida é escrita paulatinamente, um processo laborioso feito de erros, acertos e novas cores.

...Como assim, novas cores...?

Tudo se baseia no encontro, tudo tem seu momento e sua luz. Veja o céu em sua calma e longínqua fraternidade em nos acolher. Ser azul é muito mais do que um estado natural, é como um pigmento de paz estampada no alvoroço de estarmos vagando. Estamos sempre perdidos e o lugar certo para recomeçar é um mergulho no reflexo do céu, onde purificamos o nosso corpo e lavamos o nosso espírito com amônia e ácido sulfúrico.
Cada vez mais eu me sinto preparado, estou me tornando conivente com esse modo adquirido de vida. O tempo passa, a morte chega e logo se esvaí, como uma passagem para um novo retorno... E ter outras chances é como repousar no que antes se sublevou.
Nós somos feitos de cores, tudo ao nosso redor é dependente da sua magnitude para se mostrar verdadeiramente vivo. Cada pessoa nasce com uma cor característica, eu nasci pigmentado com a cor vermelha, e é nessa cor que a minha essência de eternidade será mantida. Eu sou como um gigantesco tecido vermelho, todo retalhado, onde à grande maioria dos meus pedaços estão espalhados por lugares que eu adoraria saber.
Por mais que saibamos, tentamos aprender, e aprender é uma eterna procura de seus pedaços. Na maioria das vezes nos deparamos com retalhos de outras cores. A esperança de existir um amor que supra a ausência de outro acaba nos cegando, pois a verdadeira costura mantém-se firme e forte para sempre. Enquanto não encontramos o pedaço que nos caiba, viveremos sempre no mesmo tabuleiro, em um movimento rotatório de decepções e frustrações amorosas. A história sempre será a mesma, o que muda somente são as cores dos tecidos que eu costuro em mim.

Conto – Retalhos de um tapete vermelho

Verde são as folhas... Amarelo, roxo e azul são as pétalas que desabam com o anúncio certo do inverno que virá. Nós estamos engendrados nesse estado cíclico, aprisionados em uma cadeia, onde muitas vezes mostramos com orgulho todos os nossos elétrons emparelhados, enfileirados, desfilando com clareza a padronização imposta de como devemos nascer e morrer... Somos como a ressonância do benzeno, e viver é um estágio apolar de exposição...