quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Conto – Versões em nossos labirintos

Versão masculina dos fatos:

Seus olhos claros de mulher de primeira logo me fisgaram. Meus sentimentos pulsavam com a verdade sentida na casualidade daquele momento. A solidão que eu sentia nos meus dias parecia que se esvaíra em segundos. Como descrever a emanação da vida que resultou na cor dos seus negros cabelos? Não sei. É como se o fantasma da sua existência me cantasse e me encantasse, como se fosse à refração da luz na água contida no aquário do meu ser.
Esse foi o sintoma de vê–la. Ela adentrou no bar, enquanto meus olhos estagnavam para o nada. Talvez eu já tivesse ultrapassado os limites do meu corpo, acho que bebi demais naquela noite. Sabe como é sair com amigos farristas, sempre resulta em embriaguez. Mas quando ela entrou rapidamente meus olhos procuraram o alvo certo. Parecia que eu tinha ingerido ânimo, vontade, sei lá... Eu a mirava mais do que aqueles homens bobos que perdiam suas noites preciosas jogando aquela porcaria de dardos. Eu a olhava, a fitava como um animal; estava encantado como o seu luzir, era como um engodo, e eu era o peixe prestes a cair na sua rede.
Meus amigos perceberam meu olhar furtivo e logo mexeram comigo, me desafiando ou me encorajando... Não me lembro bem. Só sei que apontei meu dedo indicador para o rosto de um deles e disse bem baixo.
– Aquela mulher será minha.
- Ahhhhhhhhhhhhh. Vai lá gostosão.
- Vocês querem apostar? – Eu disse esbravejando certeza.
Riram, debocharam de mim. Não sabiam eles que isso me encorajou ainda mais.
Acendi um cigarro. Passei a enxergá-la pelos vãos da fumaça. Seu vestido vinho era o adorno da sua pele branca. Olhando para ela eu podia sentir seu corpo junto ao meu... Era o prazer mistificado naquelas primaveras de amor.
Eu fui ao seu encontro todo desengonçado, parecia até que eu havia pulado de cabeça em uma piscina de whisky. Porém nada poderia me conter, pois eu estava sendo atraído pelos recônditos espaços da incompreensão do novo sentido em mim.
Cheguei perto dela de forma meio ríspida... Cheguei aos seus ouvidos e deixei fluir o que estava dentro de mim. Acompanhando a música do ambiente cantei:
- “Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer...”.
Saiu tão natural, e tão carregado de sentimentos que foi como se houvesse saído um peso daqui de dentro... Uma expressão de prazer que se iniciava, um lograr imperecível.
- Quer dizer que além de olhar, você também sabe cantar tão bem assim, é? – Me disse ela.
Será que eu canto bem ou é apenas educação da parte dela? Tenho quase certeza que é educação.
- Você quer um cigarro? – eu ofereci
- Não, obrigada, eu não fumo... Mas, bebo.
- Engraçado eu também bebo.
- Seus amigos também. Vocês estão comemorando alguma coisa?
- Não. Ahahahahah! Parece, né?
- Sim. Hahahahahah! Camila, muito prazer!
Então Camila é o seu nome... Eu sou horrível com nomes!
- Rogério, o prazer é todo meu.
Enquanto eu tragava meu cigarro, eu a reparava cada vez mais, é como se meus olhos tivessem ligeiramente encontrado o deleitar do vício. Estava viciado... Camila meu mais novo sinônimo de dependência.
- Você quer me fazer chorar? – Me disse ela
Eu fiquei pensando... Engraçado como aqueles três segundos pareceram horas. Maldita cachaça. Por que isso? Não entendi... Inventei uma reposta.
- Só se a gente voltar pr’aquele estágio do “muito prazer”. - Eu a disse.
- Uau! Você é direto como um dardo! Você me olha de um jeito que parece até que eu estou segurando um exemplar do Kama Sutra...
CARALHO... Por essa eu não esperava, estava me deparando com uma pervertida. Eu dei um sorriso verdadeiro, fiquei de certa forma feliz por termos tamanha ligação.
A noite ia pingando a cada segundo admiração e ostentação. Todo sentido na vida é feito de causa e efeito, o nosso prolongou-se e finalizou-se num ladino beijo... Beijos formados nos moldes do “Lego”, aquelas pecinhas que juntas alcançam qualquer formato. Senti que podíamos ser muito mais do que um casal. Poderíamos ser castelos inteiros, de cores e formatos diferentes, somos muito mais do que uma simples conseqüência... O pensamento que transcorre no acaso, o preenchimento labutado pela solidão dos meus dias até então.
Depois daquele estranho e indescritível beijo, eu a pude sentir no calor do meu abraço. Minhas mãos percorriam pela sua formosa cintura, seu corpo nos moldes da protuberância me queimava de leve, é como se a fagulha do desejo tivesse sido evocada, o incêndio que não se pode controlar... Estávamos jubilados pelo desejo dos nossos corpos.
- A gente podia sair daqui para um lugar mais calmo.
- O barulho da música não deixa a gente conversar... Vamos até minha casa. Ela me disse com um ar de segurança.
Enquanto ela foi avisar as suas amigas que ela iria embora, eu discretamente fiz um sinal de positivo para os meus amigos. Tudo bem discreto para ela não reparar. De certa forma estava me vangloriando, pois não apenas consegui ter a menina mais linda daquele bar, como também...
Pegamos um táxi, e nos beijávamos diante de uma pequena e insignificante platéia, o motorista. Deixamos o táxi e subimos as escadas do seu apartamento, as paredes nos escoravam... Naquele momento era difícil pensar em temperança, mas ela se controlava e me puxava pelos braços me levando até o seu ninho de amor. Chegando ao apartamento, a primeira coisa que eu vi foi um sofá, tentei atira-la sobre ele. Ela esquivou-se com uma habilidade digna de nota. Imperatriz Leopoldinense nota 10. Eu pensei gargalhando por dentro. Ela sorriu pra mim e foi pegar uma bebida.
- Essa mulher está me deixando louco. - Disse sussurrando.
Enquanto ela pegava a bebida, eu parei defronte ao espelho, arrumei o meu cabelo, esfreguei meus dentes com o dedo indicador e coloquei um Trident de canela na boca. Depois dessa cena ridícula, fiquei abismado com os livros em sua estante. Fiquei surpreso por ela gostar de Maiakovski. Olhando mais vi um livro do Kama Sutra. Taradinha ela... Quando ouvi seus passos se aproximando tirei rapidamente o chiclete da boca e o joguei certeiramente em uma samambaia que estava ali perto.
Ela me entregou o Whisky, eu dei apenas uma bicada e o deixei de lado. Eu a abracei e fui direto ao assunto:
- Me leva pra sua cama.
Ela me levou, sentia sua sutileza em sua doce condução. Fomos tirando a roupa, parecíamos que estávamos em câmera lenta... Tirei a camisinha do bolso e nos precavemos como deve ser. Alisava seus cabelos, sentia a forma do prazer em seu rosto. Fui descendo a mão. Sua pele lisa como seda, a delicadeza estava presente literalmente na forma de mulher. E que mulher.
Fizemos a nossa musica seguindo a sua cadência, éramos o fruto de seu ritmo. As estrelas foram atraídas pela nossa gravidade, caíam e com o tempo se tornaram em uma grande labareda de fogo... Somos nós queimando em sua cama.
Ficamos abraçados depois da consumação do ato. Fechei meus olhos fingindo que havia dormido, quando os abri reparei que ela havia caído em um singelo sono. Reparava na silhueta de seu corpo nu... Decidi dormir também.
Quando acordei, seus olhos me fitavam com uma doçura apaixonante. Olhei para seu corpo e tive a certeza de que queria reviver a sexta-feira. E revivemos. Eu estava com uma preguiça tão grande e escancarava sem nenhum pudor... Ela levantou-se da cama e rapidamente voltou com uma caixa de suco de laranja, um copo de requeijão e um pacote de biscoito. Comemos juntos... Eu decidi que iria embora.
Ela me perguntou se eu queria tomar banho. Eu disse que não, pois queria ficar com seu cheiro enclausurado em mim. Peguei o seu número e anotei na agenda do meu celular e vice e versa. Eu fui embora pasmo com aquela mulher, estava feliz da vida. Queria vê-la centenas de vezes. Fui descendo as escadas, tentando recordar todos os momentos... Peguei o celular e liguei pra todos os meus amigos e disse esbravejando:
- Ganhei a aposta, Porra!

Autor: Guilherme Canedo

Versão Feminina dos fatos:

Não é porque é uma noite de sexta-feira que toda garota tem que estar indefectivelmente preparada para sair e arrasar quarteirões. Mas, a pedidos, ela saiu com suas amigas, para refrescar o ânimo após uma semana de trabalho habitual, humano, igual ao de todos os seres humanos habituados ao trabalho mediano numa sociedade capitalista. Tomou um banho, colocou as pernas para o alto durante quinze minutos e escolheu uma blusa decotada cor de vinho, realçando sua pele branca. O ânimo ainda não estava lá essas coisas, conseguiu pensar que aquela seria uma boa cor para afastar abstêmios e, quem sabe, conseguiria manter conversas ininteligíveis com bêbados ou trazer suas amigas de volta para casa, caso passassem do limite alcoólico.
Chegando ao bar, elas pediram as bebidas e suas amigas foram para a área onde se jogam dardos. Ela preferiu ficar no balcão. Ela tinha as mãos trêmulas, não curtia muito jogar dardos, mas adorava ver as pessoas acertando a pontaria. É algo que julgava fazer parte do caráter de alguém: acertar na mira! Mas, pediu ao barman um Campari com suco de laranja e ao se virar, viu alguém fazendo dela mira. Não resistiu e sorriu naturalmente.
Era um rapaz bonito, cercado por outros rapazes. Eles estavam bastante animados, já deviam estar lá no bar há algum tempo. Ela continuou sorrindo, mas achou melhor desviar aquele olhar capturado... mesmo sem querer. Olhou para o jogo de dardos, por pouco tempo. A captura tinha sido eficaz. Quis voltar o olhar para o moço, mas se segurou, olhou para seu copo de Campari, ficou mexendo sua bebida. Levantou o olhar, lá estava o dele: olhando firme para ela, sorrindo. Ela sorriu de novo, era involuntário... E ele andou até ela, sorrindo. Chegou cantando, acompanhando a música de fundo:
- Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer...
- Quer dizer que além de olhar, você também sabe cantar tão bem assim, é? Ela respondeu na hora, e pensou: Eu sou assim, só consigo elogiar quando gosto de alguém...
- Quer um cigarro?
- Não, obrigada, eu não fumo... Mas, bebo. Disse a moça e pensou: Ele ficou sem-graça, veio atacando com essa do cigarro, depois de chegar cantando Caetano... que mudança disrritmada...
- Eu também bebo. E bem.
- Seus amigos também. Vocês estão comemorando alguma coisa? Pensou: Tenho que ser bastante simpática, quero esse cara pra mim hoje.
- Não. Hahahahah! Parece, né?
- Sim. Hahahahahah! Camila, muito prazer!
- Rogério, o prazer é todo meu. Ele disse de um modo todo pegajoso... Pegajoso o suficiente para grudar no desejo dela. Ele procurava jogar a fumaça do cigarro para o outro lado, mas acabava indo para os olhos dela, que disse com uma voz cheia de veludo:
- Você quer me fazer chorar?
- Só se a gente voltar pr’aquele estágio do “muito prazer”...
- Uau! Você é direto como um dardo! Você me olha de um jeito que parece até que eu estou segurando um exemplar do Kama Sutra... Ele sorriu verdadeiramente. Ela adorou ter sido tão espirituosa, mais até que seu decote. Ser espirituosa era uma característica dela, muito mais do que de suas roupas. Ela sentiu que alcançou um espaço dentro dele que ainda não tinha tocado com aquele comentário.
E a noite foi transcorrendo até o primeiro beijo. Mistura de whisky com Campari. Sabores indistintos dentro das duas bocas unidas. Foi quente, foi ato contínuo do beijo para o abraço bem apertado, levantados dos bancos, abraços em pé, tocando os corpos todos. Ele levantando os cabelos dela e dizendo gracinhas em seu ouvido, ela adorando como se fossem antigos conhecidos, antigos amantes. Mas, estavam no balcão do bar, o sinal do pudor tocou dentro dela, ela se afastou. Sentou-se. A música tocando alto. Ela resolveu olhar para suas amigas, se divertiam lá nos dardos. Ela estava abalada com a intensidade daqueles beijos, fazia tempo que não vivia nada assim. E ele falou:
- A gente podia sair daqui para um lugar mais calmo...
- O barulho da música não deixa a gente conversar... Ela falou depois de pensar um pouco. Seu coração disparara. Sim, o levaria à sua casa. Não devia nada a ninguém, estava resolvida. - A gente podia... Ficou reticente. Pensou um pouco mais, afinal de contas, não conhecia o rapaz. E daí? Segundos transcorreram no interior da jovem mulher, mensurando sua capacidade de decisão. Quando queria uma coisa, lutava por ela e a conquistava. Estava decidida. – Vamos até minha casa. Ela foi avisar suas amigas que estava indo embora e não o viu contar aos amigos com ar de vitória que sairia com ela.
Pegaram um táxi, se agarrando no trajeto, o calor deles estava bom demais. Chegaram. Subiram as escadas ainda aos beijos. Ela abriu a porta. Ele quis jogá-la no sofá, mas ela foi preparar uma bebida. Um whisky, com gelo. Deixou-o na sala, ele foi olhar a estante de livros. Ela achou isso muito positivo, aliás ela estava achando tudo muito positivo. Enquanto preparava o whisky, começou a se policiar: Eu vou dar pra ele, e só. Não preciso achar tudo positivo nele. Ele é uma gracinha, beija bem pra caralho, e só. Eu estou alta de tanto Campari, e só. Não devo beber este whisky, e só. E voltou para a sala.
Entregou o whisky para ele que bebeu um pouco e deixou de lado. Ele a abraçou e falou:
- Me leva pra sua cama.
Ela o levou e quis que o momento fosse doce. As roupas foram tiradas com delicadeza, as proteções foram tomadas com delicadeza também. Ele alisava seu cabelo e descia suas mãos pelo corpo macio daquela jovem mulher, encantado e cuidadoso para que seu desejo não se transformasse em rudeza. Mas, como homem e mulher que eram, no transcorrer dos fatos, o ato de suave se tornou vigoroso e os dois acabaram encharcados de suor. Poderiam ter caído um para cada lado da cama, mas permaneceram abraçados, suados, como se fossem amantes há muito tempo. Sintonia de corpos. Ela voltou a pensar que aquilo era muito positivo, mas percebeu o ressonar dele, ele havia dormido. E resolveu dormir também.
Na manhã seguinte, eles acordaram, ainda abraçados. Quando se perceberam assim, nus, claro que aproveitaram a ocasião e, mais uma vez, o desejo falou alto. Ela pensou que ele não tinha vontade alguma de ir embora. Mas, alguém tinha que fazer algum movimento nesse sentido... Ele não demonstrava nenhuma vontade de levantar da cama. A cabeça dela não parava: Sim, ele é ótimo, mas não pode ficar o sábado inteiro na minha casa... Nem conheço ele. Hahahahah! O que eu faço? Comida! Comida é um bom subterfúgio! Ela pegou na geladeira uma caixa de suco de laranja, um copo de requeijão e um pacote de biscoitos e levou pra cama. Agia com muita naturalidade. Eles comeram juntos e ele se movimentou para ir embora.
Ela ofereceu o banheiro para ele tomar banho, mas ele não quis. Disse que queria ficar com seu cheiro o maior tempo possível, disse isso rindo, ela gostou de ouvir. E, rindo, pediu o telefone dela, anotando no próprio celular. E ela anotou o dele também. Ele foi embora. Ela ficou. Ficou lembrando da intensidade e da positividade daquela noite e daquela manhã. Entrou no chuveiro alegre por ter exercido sua feminilidade em toda sua potência.


Autora: Stella Arbizu - Uma grande pessoa que eu conheci, muito inteligente, amante da escrita, da música, e de cinema... Quando ela me convidou para escrever algo em parceria logo me subiu aquele desejo de realiza-lo de uma vez. Adorei nossa sincronicidade, ainda mais inventando uma história por msn. Foi algo que desejo muito repetir, pois me diverti muito!
veja o seu blog: http://paranaosecar.blogspot.com/

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Conto – Súplicas em nossa casa de vidro

Somos os frutos da intuição, são aqueles pequenos pedaços que urgem da simplicidade de sermos desconhecidos. Vivemos diante da eternidade com conceitos pré-existentes, que se revigoram na alegria de estarmos quase sempre errados; são oportunidades manifestadas na espontaneidade de nos descobrirmos a cada segundo juntos.
Nossos traços ecoam um no outro, na imensidão do seu negro eu crio minha esfera de amor branco. Fomos ligados não por que queríamos fraquejar e sim como conseqüência do acaso. Transcendemos nossas próprias vontades nas totalidades das constelações que giram ao nosso redor. A evolução gradativa da felicidade que segue o engatinhar natural; são as modificações na essência da sua natureza que nos causam dor e sofrimento.
Mantivemos equilibrados dentro do nosso desequilíbrio individual. Em você foi criado o princípio absoluto de sermos opostos e complementares. O meu frio, manifesta o seu calor, e é na sua luz onde se revela a minha escuridão.
Quando os vínculos se criam raramente eles se quebram. Criamos dentro de nossas concepções a virtude do bem... Somos muito mais do que detalhes ao vento. É a sua parte gritante no comportamento de ouvinte; o fascínio de sua pele queimada de sol que me aquece e me refugia das brumas da minha mente.
Você é doce como um sonho em sua parte literal de entendimento... Seus gestos delicados de menina que descobriu em sua tentação o deleitar da cobiça dos homens. Eu me rebelo como uma insulina, quebrando as moléculas de glicose no seu sangue; não pelo modo prejudicial, pois é dessa forma que nos equilibramos diante do mundo. Sou apenas o princípio básico do anabolismo, faço uma simples síntese do meu amor com o intuito de receber as moléculas do seu amor complexo.
Lembro-me dos passeios que fazíamos no verão, íamos sempre pra “Praia do Sono” desfrutar o nascer do mais belo sol. Ficávamos estirados na areia contabilizando o brilho das estrelas, era o nosso pensamento beliscando o futuro. Todos os anos nós manifestávamos as mesmas vontades, era o esquecimento momentâneo das quatro paredes de poemas do nosso quarto. Podíamos jogar ao mar nossas mais belas poesias, deixando as ondas carrega-las até as bordas do planeta, e relembrarmos apesar da imensidão do mundo que estamos em casa.
Acho engraçado quando recordo de você se queimando com as águas vivas repetidas vezes, nunca aprendia a lição. Essa teimosia... Impossível de esquecer. Nós caminhávamos no alto das montanhas, aventurávamos sozinhos pelas trilhas dos matagais com o intuito de chegarmos ao outro lado. Sempre ficávamos surpresos com a imensidão daquele mar... Viajamos e nos perdíamos por horas tentando medir o comprimento da linha do horizonte. De tudo isso o que eu mais sinto saudades é dos planos que fazíamos...
Hoje você não está mais aqui comigo, partiu sem rumo para as estrelas que você tanto estudava. Não posso imaginar outro lugar que você possa estar, pois seu luzir me lembra a todo instante o encantamento da lua; o feitiço presente no simples movimentar de lábios, o simbólico e atrativo crestar contido no seu sorriso.
Eu me culpo a cada dia por sua partida... Não deveria dirigir tão alcoolizado. Essa é a cruz que nem Cristo ousaria carregar. A dor da culpa se faz presente em mim, enferrujando meu coração a cada dia, a cada noção de revolta. O simples lembrar dos fatos é como se eu recebesse uma punhalada afiada pelo tempo... Queria eu dizer que foi o tempo que errou.
Quando meus olhos abriram lentamente ainda estavam atordoados pela a escuridão dos meses. Eu ficava tentando decifrar através das sensações o que havia acontecido. A mistificação de todos ao redor da cama do hospital me revelavam uma felicidade inquieta. Todos estavam felizes por eu ter despertado do terrível coma, mas ninguém sabia me dizer que eu de fato havia morrido.
Os meses foram passando e você presente dentro do meu coração. Queria justificar os meios... Por que Deus não havia me levado junto? Eu fui o culpado de tudo, e quem deveria se afugentar do materialismo obrigatoriamente tinha que ser eu. Não entendo.
Você sempre tão viva, me consola até mesmo quando não posso ouvir a sua voz. Lembro-me de uma vez que você disse que decepções são como as vírgulas; paramos apenas para dar uma respirada, ou seja, recobramos a consciência e descobrimos que devemos sempre continuar e superar as dores que a vida nos impõe. Querida, eu sei que é triste, mas eu não vejo à hora de chegar ao ponto final dessa história, para ficamos juntos novamente.
O nosso maior plano era o de ficarmos bem... Como sinto saudade do calor dos seus abraços; aquela felicidade magnética que puxa e te prende... O meu pólo negativo depende arbitrariamente do seu pólo positivo para se estabilizar. Somos Yin e Yang, e estamos ligados pelo movimento contínuo e constante da evolução dos atributos de um para os atributos do outro.
Vejo o mar do mesmo ângulo que vimos tantas vezes juntos, procuro nos gigantescos vãos das estrelas onde é que um dia eu estarei. Eu te emoldurei no meu coração sangrando do jeito que deu, e te levei a nossa praia, para admirarmos o crepúsculo juntos mais uma vez. Lanço novos poemas ao mar pra que eles se espalhem em tudo, pois nos amamos assim sempre... Vivemos e seremos livres independente da situação que estamos. Estaremos sempre juntos, pois estamos perdidos no mundo e ele é a nossa casa... Nossa casa com as paredes de vidro.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Teoria dos Erros

Meu amor,
Eu deixo a porta do meu quarto aberta
Ainda espero você voltar
Se meu coração pudesse gritar, ele gritaria seu nome.
Como você se chama?
Venha até aqui me dizer “Eu quero ser seu amante”.
Sim, seremos eternos amantes.
Amantes de boteco, apaixonados cigarros.
Se eu tragar você?
Vou te segurar o máximo possível dentro de mim
Dilacera o que é seu.Vamos!
O calor que a fumaça me traz
Você é quente...
Eu queimo por dentro
Gostar de você é indescritível
O que adianta ter um coração,
se eu posso te sentir no ar?
Você é púrpura, você, você.
As palavras sumiram da minha cabeça!
Você é doce e parece segura.
Eu estou focado...
Seus olhos me cantam suavemente
Mas você se desfaz como fumaça.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Conto - Estrofes em pó branco

Alguma coisa foi feita de nós quando subimos ao patamar mais alto do que a saudade. Fomos colocados em estantes, expostos aos olhares indisciplinados da quimera necessária, somos a paixão que cresce desenfreada dentro do calor dos erros e acertos da nossa vida conjugal.
Casamos cedo, com aquela típica paixão avassaladora que nos prende aos sentidos de uma existência tão mortal quanto a sua. Uma expressão de amor formada pela angulação celeste, pelo cálculo da velocidade das batidas de corações acelerados... Éramos a inexplicável e difusa versão do que criamos pra nós mesmos. Minha vida é paralela a sua, é um estado até lastimável de dependência, construída na segurança garantida dos sorrisos despreocupados.
O engraçado é que nosso amor foi aumentando com o tempo, somos as nossas canções favoritas refinadas com o desfecho da improvável simplicidade. Era a primavera que pulsava em minhas veias, o cabedal sem matéria que foi sobreposto em minha vértebra para eu carregar... Como na memória recente dos dias que se passaram ao lado dela.
Quando a vi pela primeira vez confesso que não senti o exacerbado desejo dessas minhas palavras, acho que foi uma forma de sublimação que uniu nossos pedaços de existência no espaço. Seu cheiro era o gás das estrelas, o ponto de partida de uma suposta corrida de egos fixados pelo encontro da casualidade. Bastou apenas senti-la para eu ter a sensação do amor desconhecido, mesmo depois de uma vida recheada de amores ele sempre se manifestará no desconhecido. É um estado improvável de moralidade... São estrofes formadas pela branda e inexplicável circunstância de vivermos.
Eu sou muito mais do que sensações de formigamento, mas ninguém entende isso. Talvez pelo motivo da minha família desfrutar o delírio do dinheiro, os empecilhos se tornaram pra mim uma nova forma de liberdade. Já tive tantas casas que não me lembro mais, já morei na rua com a sensação do frio presente em mim... Eu moro junto com os meus pais.
A verdade é que eles não aceitam o meu amor, talvez o ego do dinheiro traga esses malefícios às pessoas. A vergonha de um filho é a febre que arde na hipocrisia da alta sociedade, são desculpas fugidas com excessos de palavras, são os belos vestidos dourados camuflando os mais variáveis problemas familiares.
Quem diria eu viver na esfera dos amores proibidos de Shakespeare, logo eu que achava que tudo que afeta o homem é como uma doença, a praga que nos tira do sossego e nos atira de cabeça no abismo da loucura. Eu queria que meus pais entendessem que a paixão se prolifera entre as aceleradas batidas do coração, como uma manifestação dos nossos poros... É o exercício das pequenas coisas sendo exaladas dentro dos ramos vazios do nosso sangue, é a protuberância sentida no envoltório da nossa alma.
Aos poucos foram reparando nas modificações dos meus atos. Eu queria viver a base desse sentimento, sustenta-lo a palha para que o ardor se mantenha firme e forte, de certa forma, mantê-lo aceso dentro da necessidade que meu corpo precisa.
Quando meus pais descobriram, quiseram urgentemente separa-la de mim, tentaram me convencer que o meu futuro aguarda uma metáfora do brilhante, das cintilantes arbitrariedades dos ternos e dos carros importados. A vida é feita de atos letárgicos que não suportam a verdadeira essência de ser eu.
Às vezes pensava se tudo o que eu estava abrindo mão era o correto, mas sabe como são essas paixões melosas que nos afoitam em atos, acarretando no nó de braços e pernas. Eu tinha a certeza em mim; a minha vida dependia da sua existência, pois ela me produzia sensações já mais sentidas, era muito mais do que minha própria realização pessoal e profissional, era a luz coagulada no meu sangue.
Há bastante tempo atrás, uns homens invadiram o meu quarto e usaram de força comigo. Diziam que era para o meu bem, que eu precisava de ajuda, como se eu tivesse que me libertar do que me prendia. Eu lutava contra eles, também sabia ser bruto... Até usarem um forte sedativo. Meus olhos caiam, fechavam contra a minha vontade até não ver mais o último brilho de luz...
Quando acordei, gritei pelo vão das grades, queria explicações. Disseram-me que eu estava internado em uma clinica de reabilitação para desintoxicação por uso excessivo de cocaína. Queriam me separar da paixão que me sustentava, dos frutos de um casamento fiel, que se fez pela inalação de sentimentos e inquestionáveis doses de rastro branco em cima da minha escrivaninha.
A raiva, a tristeza, o ódio e a carência se fizeram dentro da minha saudade. Não me importa quantas vezes eu vou voltar nessa base de Guantánamo, não me importa quantas primaveras a mais eu não vou ver o sol... O céu na China se fez de um vermelho brando, o meu céu é repleto de nuvens feitas de pó branco.
Infelizmente provoco diversas opiniões nas pessoas, alguns me julgam dizendo que eu sou louco, pelo simples motivo de estragar a minha vida perfeita; outros dizem que não há nada que o dinheiro não de jeito e que logo eu vou melhorar. De tantas especulações, e de tantos olhares afoitos ninguém consegue compreender que a verdade é que meu estágio não é de dependência, e sim de puro amor.